29/12/10
O Planeta de Plástico
Por um fortúnio do meu amigo Acaso, foi-me dado a conhecer recentemente o filme de origem austríaca "Plastic Planet", de Werner Boote, um documentário sobre o papel entretanto tornado imprescindível do plástico na nossa vivencia quotidiana. O filme data de 2009 e inicia-se de forma autobiográfica com imagens da infancia do próprio realizador e do quao relacionada com plástico essa altura da sua vida se encontrava (como será o caso da maior parte de nós, nascidos num pós-Segunda Guerra Mundial). Foca também o próprio processo de producao - tanto quanto possível - dos materiais que hoje populam e pululam (n)o nosso planeta assim como os efeitos secundários, comprovados por estudos científicos e mesmo provas empiricamente obtidas através de situacoes ocasionais, que a utilizacao de plástico nas suas mais variadas formas suscita. O filme torna-se inspirador, nao tanto pelas novidades que nos traz, mas sim pela apresentacao crua dos factos que tanto teimamos em ignorar: o plástico é um produto nocivo, para a saúde e para o ambiente. Nao será por acaso que os estudos - chamemos-lhes - científicos que defendem o contrário sao, na sua grande parte, subsidiados pelas grandes empresas produtoras do material.
Alguns factos (baseados no documentário):
- 4% do petróleo extraído a nível mundial é utilizado para a producao de plástico;
- a maior parte dos alimentos consumidos actualmente é empacotada em embalagens de plástico;
- as empresas nao sao legalmente obrigadas a divulgar os elementos que compoem os produtos em prol do segredo industrial, deixando consumidores e controladores no escuro;
- plástico liberta partículas para a atmosfera ao longo do tempo, entrando discretamente no nosso ecossistema:
- garrafas de plástico contem elementos químicos (Bisphenol A) que, ao serem libertados - o que pode suceder apenas com uma mudanca de temperatura ou apenas com o passar do tempo -, podem provocar alteracoes macicas no sistema endócrino e afectar a composicao hormonal do nosso corpo ou o desenvolvimento cerebral de forma irreversível;
- os nossos oceanos estao repletos de mais plástico do que plancton, numa proporcao de 6 para 1;
- plástico demora entre 500 a 1.000 anos a ser decomposto;
- 240 milhoes de toneladas de plástico sao produzidas por ano;
- estima-se que cerca de 500 mil milhoes a 1 triliao de sacos de plástico sejam consumidos a nível mundial;
- a maior parte dos sacos de plástico nao é biodegradável e sim fotodegradável - decompoe-se em partículas minúsculas e tóxicas, constituindo parte da cadeia alimentar de muitos animais a elas sujeitos;
Perante esta verborreia de verdades inquestionáveis, nao poderemos ficar indiferentes! A mim espanta-me a passividade com que a maior parte dos meus concidadaos aceita que o seu destino seja manipulado por outros sem escrúpulos sem sequer ponderar no que eles mesmos poderao fazer de forma a minimizar os efeitos nocivos que muito tem a ver com as suas próprias escolhas individuais! E nao me venham com histórias de que há sacos de plástico biodegradáveis. A este propósito um excerto de um blog encontrado sobre o tema:
O que fazer? Como reagir? De que forma poderemos moldar as nossas vidas com a consciencia da menor penalizacao do ambiente e da nossa saúde?
A família austríaca Krautwaschl, após ter visto o documentário, tomou uma atitude radical e enveredou por uma experiencia que dura há já um ano. Objectivo: uma casa sem plástico! A primeira accao foi fazer o inventário de tudo o que era composto por plástico e desfazer-se do mesmo, o que se revelou bem-sucedido na maior parte dos casos. Passaram a comprar produtos e principalmente alimentos com uma consciencia diferente e eliminaram aquisicoes compulsivas (por exemplo, batatas fritas de pacote), substituindo-as por produtos de fabricacao própria.
Eu irei iniciar a minha experiencia amanha. Nao irei mandar para a lixeira nada do que já tenha adquirido, pois isso levaria apenas a um consumismo compulsivo de bens substitutos e nao resolveria o facto de os produtos já terem sido confeccionados (seria apenas mais uma medida de producao de lixo absolutamente evitável). Primeiro passo: Ir às compras no supermercado e reduzir o consumo de plástico para ZERO.
Já tenho ali umas quantas embalagens nao reutilizáveis e nao recicláveis com as quais desejo confrontar o meu supermercado de bairro. Provavelmente terei de as continuar a acumular, mas espero que nao pois tal significaria que nao estaria a aplicar o meu objectivo de tolerancia zero...
22/12/10
Antecipacao
Palavroes apenas existem enquanto lhes dermos significado. A sua utilizacao como forma de comunicacao assenta numa crenca generalizada de um sentido pérfido, mau, negativo, atribuído à própria palavra. Palavroes conseguem ser palavras mais psicológicas ainda do que as que definem sentimentos, sabores, odores ou sensacoes. Muito do que pretendemos atingir ao aplicar este tipo de juncao de sílabas se passa no nosso subconsciente.
Com a actual banalizacao do uso desses palavroes - e há muita gente por esta blogosfera fora que parece nao conseguir exprimir-se sem recorrer ao poder magnanimo do caralho, do foda-se ou mesmo do filho da puta (e consegui escrever sem símbolo à mistura, ufa! Esta percepcao só pode ser o resultado da minha educacao relativamente conservadora) -, vai-se conseguindo aos poucos precisamente o oposto: retira-se continuamente o significado intrínseco das mesmas, evoluindo para uma situacao extrema em que estarao integralmente desprovidas de sentido, atracando mesmo na inocencia de todas as outras formas de comunicacao que utilizamos. Será o fim de uma era.
Culturas abertas
Nao, nao é apenas mais um filme sobre alteracoes climatéricas.
Coalition Of The Willing from coalitionfilm on Vimeo.
20/12/10
Eclipse lunar...
... apagará o esplendor da lua cheia de hoje. Restar-nos-á a claridade de Debussy para sempre.
E é isto o símbolo do progresso?
Mais um exemplo da qualidade da estacao televisiva Fox. A headline que envolve a notícia sugere a ideia de terrorismo tecnológico e está presente na maior parte do debate, se é que se pode denominar este momento negro da agencia televisiva um debate, quando todos os convidados oradores sao portadores da mesma opiniao.
Bob Beckel, anafado comentador da Fox - representante da espécie Trump, sem pescoco e com tez capilar muito natural - e o mais radical nas suas opinioes, defende uma sentenca de morte para Julian Assange, apesar de ele próprio frisar ser contra a pena de morte. Guedié?
"A dead man can't leak stuff. This guy is a traitor, he is treasonous, and he has broken every law of the United States. And I am not for the death penalty, so there is only one way to do it: illegally shoot the son of a piii!"
As referencias a Assange sao deveras criativas, passando do "This little punk!", "The guy with the laptop" até ao "blackmailist, extortist, terrorist". Ah, a palavra mágica - terrorismo, que tanto tem desculpado e ocultado desde 2001. Aliás, esta deveria ser mesmo a palavra do século.
As actividades de espionagem da CIA sao aceitáveis porque já há muito conhecidas, ao contrário das actividades da Wikileaks.
Nem o ditador da Coreia do Norte escapa às ofensivas verbais. "North Korea is one of the most dangerous things hapenning right now! With his little psycho b*** and his fat little son who was at Disneyworld over there! This guy is ready to go off at any time!"
O que julgar de um país onde tais barbaridades proferidas em público podem passar ilesas? Onde comentadores políticos se julgam no direito de incitar a populacao à violencia e condenar um cidadao à pena de morte? Onde a palavra "bitch" é censurada e nao o incentivo à justica pelas próprias maos por via da agressao? Onde a liberdade de expressao permite facínoras pagos pela economia privada advocarem o abate de um ser humano e nao a revelacao de segredos de Estado pertinentes para uma opiniao pública propositadamente mantida na escuridao durante - pelo menos - quase uma década?
And this is what we call civilization?
Medo...
Como poderei eu, vegetariana de há umas semanas, sobreviver em Portugal, mantendo-me fiel aos meus princípios, na altura do NATAL, hein? O que vale é que ainda vou consumindo ovos e tal, o que dá para contrabalancar as viagens calóricas e me permite uma viagem inigualável à docaria portuguesa. É nestes momentos que me compadeco com os veganos...
A propósito do Dia Mundial de Escuta dos Afegaos...
Achei deveras hilariante a coincidencia: o risco de seguranca nas províncias afegas aumenta consoante o número de hectares de cultivo de opiáceos.
É sobejamente conhecido que o Afeganistao constitui uma narco-economia, mas daí a se tomar consciencia de que essa mesma contribui com 53% (!) do PIB vai um passo gulliveriano no mundo dos liliputianos. Imagine-se que este país produz 93% da heroína consumida a nível planetário! Nao haveria de ser uma regiao interessante para os norte-americanos porque? Aliás, existem relatos e investigacoes jornalísticas que estabelecem uma conexao entre a producao de ópio afega e a luta contra os soviéticos perpetrada nas décadas de 70 - 80, tendo a primeira assumido um papel preponderante no financiamento da segunda, este protagonizado e co-ordenado supostamente pelos amigos da CIA em prol do combate à ameaca comunista da época. Hoje chama-se ameaca terrorista, a qual, no fundo, nao passa mais do que uma ameaca ao poder geoestratégico detido em determinadas zonas.
Dois em um. Mas sao dois!
Uma nova hegemonia forma e divide a realidade: Chindia. "O dragao e o elefante deveriam dancar o tango." Um poder económico asiático que irá disponibilizar de um terco da populacao mundial e movimentar um volume em termos de transaccoes comerciais de mais de 100 bilioes de dólares.
Cada um descobre o potencial do outro como uma mina de ouro, disfarcadas que agora estarao as divergencias passadas. Estranha coincidencia a visita diplomática do presidente chines se ter efectuado poucas semanas após uma outra estada prominente: a do presidente Obama (com o seu séquito de 200 pagens, perdao, empresários).
Nisto, onde irá o Dalai Lama receber asilo daqui a uns anos?
Desafiarei as odes!
Apesar disto, isto, desta, esta, daquele e daquela, resolvi ir passar os dias festivos à terra natal. Apenas espero que o temporal nao me desafie os nervos. E sim, tenho direito a pessimismos.
"Há pessoas que acham que ser pessimista deve ser «angustiante». Estão enganadas. Ser pessimista é sobretudo cansativo. Todos os dias o mundo confirma a ideia que temos do mundo. Imaginem: todos os dias."
Intemporal...
Lembrei-me também que uma das razoes pelas quais há muito boa gente no Brasil que nao reconhece ao Paulo Coelho, o mago contemporaneo do lirismo simplista, qualquer talento é o facto de o acusarem de plágio de material seixista.
16/12/10
E por falar em amizades...
Há pessoas que se definem pelo trabalho que as ocupa, outras pelos livros que leem, ainda outras pelos filmes que veem, outras por tudo isso ou nada disso, e há outras que estipulam o nível de interesse pessoal através das pessoas que conhecem (e nao sao necessários ser amigos). A lista vai do artista (músico, escritor, pintor, fotógrafo) ao advogado ou médico (com poucas excepcoes...PUÁ), passando pelo homossexual.
É um fenómeno actual haver gente que considera a amizade com alguém gay como algo especial, isto, claro está, se a pessoa em questao nao o for ela própria. Ostentam essa relacao como se de um troféu se tratasse, algo extraordinariamente excepcional, fora do comum, abismal. Quanto mais "bichona" (perdoem-me o termo, mas de momento o meu domínio do calao portugues nao me deixou alternativas...), maior o orgulho. Se em casal, melhor, protagonismo a dobrar.
Exibem-se com os mesmos nas situacoes mais estapafúrdias que se possa imaginar, normalmente num qualquer bar extravagante pleno de pessoas do mesmo sexo, a dancar em cima das mesas ao som de Gloria Gaynor a mostrar o mamilo ou a língua para alguém incubido de relatar o momento áureo em forma de fotos. Essas fotos conhecem um só caminho e destinam-se a um só fim: Facebook. O grau de coolness aumenta desmesuradamente, iludem-se.
Há forma de discriminacao mais absurda?
Há algo que me intriga...
Ironia é quando se recebe um email de alguém amigo contendo uma apresentacao cujo último slide, carregado de emocoes, nos apela ao envio da mesma para as pessoas que nos sao mais queridas, e esse amigo nem sequer ter disponibilidade de nos responder à simples pergunta "Está tudo bem contigo?" que formulamos ao responder a essa mensagem por ficarmos tocados com o gesto. Há pessoas assim, que se expressam em termos de amizade por intermédio de instrumentos compostos por outros, aparentemente dotados de uma funcao deveras importante: relembrar-lhes que ainda tem pessoas de quem gostam, mas para as quais afinal nao tem assim tanto tempo.
A nuance da legalidade
Espionagem constitui um pilar na forma de funcionamento institucional das sociedades de hoje. É conhecido que todos os estados, sejam eles democracias ou ditaduras, utilizam os seus espioes (nao é por acaso que muitas vezes nos referimos a esses tentáculos alargados do estado como agentes secretos, ou seja, a quem é reconhecida uma legitimidade de existencia) na obtencao de informacao que lhes interessa. Espionagem é considerado algo pouco lícito, escondido, envolvido em secretismos, códigos de conduta, honra e comunicacao, miscelaneas de identidades, residencias, funcoes, disfarces. Há relatos de influencias espionísticas em qualquer acontecimento de grande porte da nossa história (Primeira e Segunda Guerras Mundiais, Revolucao Bolchevique, Guerra Fria, derrubes de ditadores na América Latina, Queda do Muro de Berlim, para mencionar apenas alguns). Os primeiros indícios da existencia de espioes remonta mesmo ao Antigo Egipto. Os métodos de obtencao de informacao por parte de instituicoes como a CIA ou o extinto KGB passa(va)m invariavelmente por infiltracao, camuflagem, uso de agentes (especiais, duplos, triplos, ...), permutas em troca de meios financeiros, redes de contactos, prática de hackering, na epiderme da sociedade.
Todas estas técnicas sao permitidas e geralmente aceites, porque executadas em prol de um bem comum: a defesa dos Estados.
Pergunto-me entao porque se ignoram os paralelismos com os métodos utilizados por WikiLeaks (ou outros whistleblowers) e se considera mesmo acusar esta organizacao de espionagem "ilícita". Nao o é toda? Já nos esquecemos do grande incidente diplomático aquando da descoberta de uma rede de espionagem russa nos EUA? Com uma leveza verdadeiramente extraordinária, o evento foi digamos que quase abafado e os agentes terao sido expatriados para a terra que os viu nascer como bufos de profissao. E nao será uma arte de espionagem quando, como em Berlim, o embaixador dos EUA usa a colaboracao servical do chefe de gabinete de um dos partidos que agora compoem o governo de coligacao alemao para se inteirar das prioridades internas governamentais ou mesmo sobre o andamento das negociacoes no seio da própria coligacao?
Assim, o alarido à volta da WikiLeaks torna-se facilmente pura hipocrisia. Se condenarmos os free lancers, teremos que aplicar os mesmos critérios aos que tornaram isso a sua profissao. Os Estados somos nós, os cidadaos, e nao as estruturas que o circundam. A verdadeira liberdade consiste em poder formar uma opiniao com todos os elementos disponíveis. E, agora que conhecemos a sensacao, será difícil, tal qual droga, prescindir da mesma.
É por isso que nao voto social-democracia...
"Numa época de grande hegemonia ideológica das correntes reaccionárias, nomeadamente no campo político, económico e social, a ilusão da convergência baseada no falso consenso acaba sempre por favorecer a direita e “roubar” autonomia ideológica à Esquerda, que passará a actuar, na maior parte das vezes, a reboque da direita, embora involuntariamente.
A experiência, que não pode ser descrita em poucas palavras, mas apenas enunciada, da “imposição universal dos direitos do homem” e da “exportação da democracia” pelo movimento neoconservador americano, que no pós Guerra Fria alastrou a quase todo pensamento político ocidental, nomeadamente à social-democracia, é um acabado exemplo do que acaba de ser dito. De facto, foi por via desses falsos conceitos de “direitos do homem” e de “democracia” que o capitalismo neoliberal impôs o seu domínio a quase todo o planeta, eliminando ou subjugando quem ousasse desafiá-lo.
Os regimes políticos que ousassem defenderem a sua autonomia ou a sua diferença eram económica e financeiramente ostracizados quando precisavam de ajuda ou de créditos, outras vezes eram mesmo subjugados e invadidos pela força das armas, sempre em defesa dos tais grandes valores que, como agora se vê – para quem ainda tivesse dúvidas -, não passam da defesa ilícita dos mais sórdidos interesses de quem não olha a meios para atingir os seus fins."
Excerto retirado daqui.
Passos largos
A julgar pela quantidade astronómica de bloggers a utilizar os media espanhóis como leitura diária e privilegiada fonte de informacao, estamos mais perto da Ibéria do que pensamos.
15/12/10
Regresso ao passado...
Earthlings devia ser um filme obrigatório já em tenra idade. A instrucao basilar de cada cidadao, portugues ou nao, passa pela história, mas deveria indubitavelmente incluir o futuro. Este é um filme que choca, que nos abala o amago, que despoleta culpa e responsabilidade às quais ninguém é alheio. Sao as imagens da realidade, nua e crua, tal como ela é, sem Photoshop ou filtros mediáticos, sem eufemismos e plena de dureza.
Este foi um filme que modificou a minha percepcao da existencia para sempre.
Primeira decisao: Contrariando milhares de anos de evolucao, irei aderir ao vegetarianismo por completo. Só espero que a ciencia jamais prove que vegetais e fruta sao dotados de algum tipo de consciencia.
Segunda decisao: Já que o meu estilo de vida nao me deixa ter um animal de estimacao já nascido e existente, irei de cada vez que for às compras auxiliar a associacao local de proteccao de animais.
Hoje teria sido já o primeiro dia se nao me tivesse deparado com a seguinte questao: O que é que vegetarianos compram como alimentos para os seus animais de estimacao, principalmente quando estes sao caes e gatos? Os únicos produtos que se encontram nos supermercados standard sao compostos por outras espécies - atum (espécie em vias de extincao), galinha, perú, cordeiro, salmao (outra espécie que pelo menos já esteve em vias de extincao)... Tudo enriquecido com vitaminas e molhos que, de nome, nos fariam a nós, humanos, salivar-nos por completo. Fiquei estarrecida durante minutos a olhar para as prateleiras, prolongando a busca da seccao vegetal para pets, em vao.
Terao gatos comido sempre peixe com sabor a gelatina? E caes uma massa que se assemelha a tudo menos a pedacos de coelho?
Se conseguirmos educar-nos o gosto, será que a tarefa também será possível para os nossos animais de estimacao? Chegou a hora de regressar às origens...
11/12/10
10/12/10
Sinergias
O anao gigante da F1 teve uma ideia brilhante. Um furto com direito a agressao física transformou-se numa ideia para um anúncio publicitário a uma marca conceituada e luxuosa de relógios.
Na minha opiniao, podíamos aplicar a mesma ideia, nao na promocao de um produto, mas de um princípio, que é um direito: o da nao-violencia sobre mulheres. Como as imagens usadas na sensibilizacao do cancro do pulmao, por exemplo, que normalmente abalam qualquer sensibilidade. Para tal seriam necessárias caras e cores. E passar por cima de um sentimento grande de vergonha e auto-culpabilizacao.
E por falar na China, ...
... serao, pelo menos, 21 as cadeiras que amanha ficarao vazias durante a cerimónia da entrega do Prémio Nobel a Liu Xiaobo. O país que entretanto se tornou a maior economia do mundo continua o seu curso manipulador tanto da liberdade de expressao como da autonomia económica dos seus súbditos - os 19 países que escolheram nao estar presentes amanha em sinal de protesto. As trocas devem ter sido inimaginavelmente gigantescas.
A vigésima primeira cadeira será a do próprio laureado, que continuará na clausura como preso político e agitador criminoso e subversivo. A primeira vez desde 1936 que o premiado ou pessoas por ele nomeadas permanecerao ausentes na cerimónia.
A seguir, com interesse, amanha a partir das 12:00, aqui.
Hegemonias
Pesquisamos informacao no Google, vemos vídeos no Youtube, conectamo-nos com a nossa rede social através do Facebook, publicamos fotos no Flickr, compramos livros na Amazon (isto antes de a boicotarmos pelo WikiLeaks), pagamos a crédito com Visa ou Mastercard, consumimos burgers ou Lady Gaga (salvo seja) e assistimos a filmes de Hollywood. E ainda há quem tenha receio do poderio chines?
A única diferenca reside na subtileza. E agora nem disso gozam os EUA.
06/12/10
O valor humano
"Was bin ich wert*"? Nos EUA o valor de cada um define-se por aquilo que se ganha.. Ganha-se mediante aquilo que se faz. Aquilo que valemos traduz-se materialmente. Definitivamente nao é o país para mim... Mas agora percebo porque a segunda pergunta de um norte-americano que nao sabe quem sou normalmente é "What do you do for a living?". A seguir ao nome, pois claro.
*Em portugues: "O que valho"
O canto da liberdade
Mahsa Vadhat é iraniana. Reside num país onde mulheres apenas cantam para mulheres. Um país onde apenas em raras ocasioes - quando devidamente acompanhadas e enquanto parte do coro - podem mulheres aparecer em palco para um público masculino. Nao é desejável que homens se excitem com as vozes femininas, dizem as autoridades. Um país que proibe performances a solo de artistas mulheres. E mesmo concertos correctamente organizados e autorizados podem ser sujeitos a cancelamentos inesperados. Um país onde todas as melodias de qualquer artista sao analisadas e aprovadas pelo Ministério da Educacao Islamica, a instancia que censura media, teatro, livros, enfim, tudo o que é publicado., sem que alguém consiga exactamente descortinar com que critérios as decisoes sao tomadas, que tipo de ritmos ou textos se podem permitir os músicos. Um país no qual a arte é composta com base em medos, suspeitas, auto-censura, riscos de ultrapassagem dos limites desconhecidos da arbitrariedade, onde cada forma de individualidade é considerada rebeldia, desde a música de que se alimentam até aos cortes de cabelo bem-vistos pelo regime. Um país onde o modo de colocar o véu assim como o comprimento da roupa sao determinados por lei e no qual verniz nas unhas ou sobrancelhas arranjadas sao proibidos.
Um país onde uma pontinha acrescida de liberdade é considerada uma revolucao.
Mahsa Vahdat luta por revolucoes, cantando.
05/12/10
04/12/10
Don't mess with Texas!
Preconceitos existem. Sao contra-produtivos, generalistas, conduzem a uma limitacao intelectual, fecham horizontes e eliminam aberturas de espírito. Mas o que fazer quando, a qualquer oportunidade, esses mesmos preconceitos sao confirmados?
Preconceitos sao juízos pré-concebidos sobre algo ou alguém, tendencialmente irracionais porque nao baseados num raciocínio metódico nem numa análise completa de uma certa realidade, até serem provados na íntegra e aí passam a factos científicos ou pura e simplesmente transformam-se numa verdade.
Existe um preconceito europeu (provavelmente mundial) sobre texanos, o qual temos que agradecer à Dallas, aos Georges Bush ou ao Texano Rico dos Simpsons. Seguindo um pouco a lógica do site Stupidedia (em alemao), o texano é intelectualmente modesto, muito down-to-earth no tratamento, tem tendencia para a obesidade, adora carne, charutos e descapotáveis. O texano é um cowboy, um rapaz da vaca, portanto, que se move a cavalos, Mustangs ou Hummers. Vive num rancho e aprecia gozar a sombra da sua torre de exploracao de petróleo. Alimenta um fetiche por botas e chapéus assim como piscinas em circunstancias absurdas. Tem um orgulho evidente em ser o que é e nao lhe cai nada bem quando ouve do espaco "Houston, we have a problem!". É branco, cristao e republicano, anti-welfare state e conservador. Apoia as intervencoes militares em qualquer sítio e vocifera contra a ameaca do terrorismo, que obviamente vem de fora (Axis of Evil). Ao mesmo tempo que recusa qualquer intervencao estatal que esteja ligada à esfera privada do indivíduo, aceita piamente todas as estratégias anti-terroristas que o Estado tem vindo a impor aos seus cidadaos como acto patriótico.
Estao a ver isto tudo numa só pessoa? Foi a minha breve (felizmente para a minha sanidade mental) companheira de discussao hoje à noite. Tudo comecou quando questionei o body scanning a propósito do protesto dos americanos contra esta medida (mais uma) de (pseudo)seguranca nos aeroportos que decorreu no fim-de-semana de Thanksgiving. O típico discurso fundamentalista foi imediatamente accionado numa mente condicionada a pensar assim, sem se aperceber da própria manipulacao qual cao de Pavlov: "Claro que o scanning é importante no ambito do combate ao terrorismo internacional. Aliás, sou da opiniao de que nenhum terrorista merece qualquer tipo de julgamento justo, pelo contrário, deveria ser imediatamente lancado aos leoes ou condenado à pena de morte!". Ao que respondi, reconhecidamente em tom bastante provocatório: "Se pensarmos bem nos ataques sádicos a civis no Afeganistao ou no Iraque, poderíamos classificar os soldados responsáveis como terroristas dado nao aplicarem qualquer tipo de regras subjacentes a situacoes de guerra.". O patriotismo nao se fez esperar: "I am so fucking tired of having to put up with all this shit! (literalmente) Voces europeus tem a mania de nos atirar à cara tudo o que fazemos de mal, na vossa opiniao, sem que apresentem uma solucao". Eu repliquei: "Solucao para que? De que problemas estamos a falar? Dos que agora se verificam após a invasao injustificada de um país que nao é o vosso? Agora é tarde, resolvam-no com os vossos aliados!". O tom foi ficando acesso e muito agressivo. "Ah, queres dizer que a nossa reaccao ao 9/11 deveria ter sido nula?". Nao pude deixar de sorrir porque mais uma americana pensa que a celeuma se reduz aos acontecimentos fatídicos deste dia, apagando por completo tudo o que está por detrás assim como todas as teorias de um possível envolvimento do próprio governo nos atentados, para nao mencionar o facto de o Iraque nada ter a ver com a história toda. "E tudo o que aconteceu anteriormente ao 9/11 nao conta??" A mulher estava a ficar cada vez mais enfurecida e insegura. "Perguntei-te qual a VOSSA solucao para o problema, nao me respondeste é porque nao tens alternativas!", ao que retorqui "Mas solucao para que? Qual é, na tua opiniao, o verdadeiro problema?", insistindo no exercício da dúvida e introspeccao nacional. "International terrorism!", gritou, quase como a auto-convencer-se (e eu pensava "Onde é que já ouvi isto?"). E nisto vi que estávamos num beco sem saída e parei com a troca egocentrica de argumentos porque vi que, mais uma vez, um preconceito meu se comprovou. Infelizmente. Fiquei com a impressao - lá está mais um preconceito - de que texanos gostam de ter sempre a última palavra, nem que esta seja shit. Valeu-nos a presenca conciliatória de um judeu americano que nao só mediou como tratou de eliminar o nosso conflito verbal, relatando um pouco sobre o que ele e a própria família entendem sobre comportamentos racionais.
Agora falta conhecer os outros texanos, todos eles, e teremos teoria.
E nem sequer toquei na obra arquitectónica do Assange...
Post Scriptum: Para o caso de nao ter ficado claro, a minha texana é branca, republicana, bastante conservadora e convicta crista e católica. Ah, e fa da pena de morte.
Post Scriptum: Para o caso de nao ter ficado claro, a minha texana é branca, republicana, bastante conservadora e convicta crista e católica. Ah, e fa da pena de morte.
03/12/10
Porque gostei...
"A minha saudade da imensidao do teu ser alimenta-se da lembranca de ti, de mim, do nosso universo hermético. Esse universo, por onde apenas deixávamos perpassar réstias de luz e folia dos eleitos, aqueles com quem comunicávamos na linguagem que, por ser a mais pura, dispensava quaisquer palavras. A fusao perfeita de estados de alma, que me martiriza de tantas vezes concretizada no passado, e de tao intoleravelmente impossível no presente. O despir de todas as inibicoes-tabu, de todas as vestes de sentimentos de pudor e convencoes. A aceitacao do "eu" sem artifícios, o esquecimento hedonista dessa ideia egocentrica, o eterno retorno às origens, a atomizacao eclética de seres que se tornavam unos.
Eis o quotidiano desse nosso mundo, impalpável pois aquilo que de mais intenso existe é materialmente vazio. Ainda me surpreende a insolencia do destino, que tao abruptamente cruzou os nossos rumos, para despoticamente nos arrancar a plenitude entretanto alcancada através de sensacoes impolutas. Sao agora somente as memórias que me restam, translúcidas, dispersas, perenes, que me assolarao a existencia por muito mais do que o tempo que elas representam.
Recordar-te-ei, a ti que nao vejo mas sinto como parte pungente de mim, para todo o sempre, tal qual máquina do tempo, e deixarao de importar os anos, meses, dias, horas em que a eternidade for transformada. Tentarei eliminar a frustracao de nao abarcar algo a mim pertencente.
Sem essas memórias, esvar-se-iam o passado, aspirante a presente moribundo, a vida anterior, a vida interior. E o tempo deixaria de ser sentido."
02/12/10
Rattenschwanz...
... ou cauda de rato é como os alemaes denominam uma situacao sem perspectivas, um beco sem saída. Como quando os caes entram em devaneio e procuram abocanhar a própria cauda, apenas no caso dos ratos a mesma já está, digamos, na boca do lobo. Foi do que me lembrei quando vi este filme...
O momento em que os esclarecidos se tornam cegos
Nao nos faltam vozes revolucionárias, por vezes ultra-reaccionárias, que estao sempre dispostas a vociferar contra tudo o que esteja classificado de "sistema" ou "regime", que continuamente poem em causa o que nos parece a forma natural de funcionamento das coisas, que protestam com accoes e mobilizacoes e se movem em todos os meios de comunicacao (e aqui nao me refiro puramente aos media e sim a todos os instrumentos ao nosso alcance susceptíveis de utilizacao para fazer trespassar uma qualquer mensagem) de forma a se fazer ouvir e sentir, alimentando o contágio pelo espírito liberto e sem limites ou medos de questionar seja o que for que nos parece dados adquiridos. Sao a nossa consciencia, espelham os nossos receios e emocoes, provocam paradigmas institucionalizados, dao a cara, arriscam a sua própria existencia sob a forma de corpo ou simplesmente nome.
Sao tao contra que, na maioria das vezes, se tornam a favor de qualquer coisa, ainda que antagónica em relacao ao que atacam e tentam fragilizar. E, por vezes, fazem-no de forma cega e seguidista, sem aplicar a capacidade lógica de raciocínio que lhes deveria ser subjacente. Refiro-me aqui especificamente a todos aqueles que, em seguimento dos acontecimentos recentes que levaram ao vazamento de uma quantidade quase irresponsável de informacoes relativas às actividades diplomáticas de uma grande nacao que continua a alimentar anseios hegemónicos, apesar de (ou talvez por isso mesmo) estar continuamente a perder influencia no campo geo-político de hoje, se preparam para apoiar um evento público de grande importancia, pelo menos nos próximos dois meses: "Support WikiLeaks". O mote do evento:
You can help support our independent media by donating financially or Share a Wikileaks release with a friend. Spread our wallpapers. Donate to support vital infrastructure. If you believe democracy and transparency go hand in hand, now is the time to stand and say: The world needs Wikileaks.
Pode parecer entediante eu voltar a postar sobre a WikiLeaks, mas é interessantíssimo acompanhar as reaccoes das mais variadas esferas da sociedade a este fenómeno, até porque fui convidada por uma das pessoas mais inconformadas com o tal "sistema" que conheco a participar no tal evento. Mas pergunto-me se este meu conhecido, que de resto a qualquer oportunidade ataca peremptoriamente a infra-estrutura social e económica construída no último século, nao se questiona sobre quem está a financiar as actividades desta organizacao. Enquanto esta questao nao estiver esclarecida, eu pessoalmente nao irei doar um centavo e o meu outing quanto ao apoio nao terá lugar. Nao pude deixar de esbocar um sorriso ao ler a palavra "transparencia" na mensagem do instigador do evento. Se a WikiLeaks atribui tanta importancia a esse factor, poderia comecar por si mesma.
01/12/10
Revolucoes...
Há precisamente 370 anos, fomos capazes de derrotar e expulsar invasores de considerável maior dimensao e poderio bélico. Condicionado por uma monarquia longínqua que governava à distancia e alheada às necessidades da populacao, sugada ao tutano para pagar impostos que ajudavam a suportar as despesas do império espanhol (isto faz-me lembrar qualquer coisa...), Portugal revoltou-se e restaurou a sua independencia.
Bravura, coragem e inconformismos que tanto nos fazem falta na actualidade...
Uma primeira sugestao de melhoria já apareceu!
Uma primeira sugestao de melhoria já apareceu!
Foto: Daqui
4U
Umas das minhas labels favoritas lancou as 4AD sessions para promover os seus artistas. É de seguir com toda a atencao, dado o seu passado sublime, composto por nomes como Dead Can Dance, Bauhaus, Pixies, Thievery Corportation, Cocteau Twins, This Mortal Coil ou Breeders. Reminiscencias...
Nao aos pesticidas!
Enquanto o mundo se deixa distrair pelas notícias catastrofais sobre o estado das nacoes, medido com base em indicadores económicos, vai sucedendo uma série de eventos alarmantes que nos deviam preocupar muito mais, mas aos quais a imprensa geral nao vai dispendendo a devida atencao. Ouvem-se continuamente vozinhas fracas, lá bem de longe, gota a gota, como se a medo por nos estarem a incomodar, alertando para alguns factos que efectivamente nos podem desgracar a existencia e nos arrastar para um estádio civilizacional em que nao só os meios financeiros ao final do mes como a possibilidade de subsistencia própria estarao esgotados. A notícia de que colónias inteiras de abelhas tem vindo continuamente a desaparecer, muito provavelmente devido ao uso indevido de um determinado tipo de pesticidas em grande massa produzido e comercializado pela Bayer, passou-nos literalmente despercebida. O desaparecimento deste tipo de insectos poderá ter consequencias dramáticas a nível do nosso ecosistema já que as abelhas sao os agentes mais importantes da polinizacao, o acto sexual das plantas espermatófitas, ou, simplificando, o processo de reproducao das próprias plantas. Em acréscimo, sabe-se que actualmente sao já 35% as colheitas agrícolas que dependem precisamente de agentes polinizadores. Como é geralmente conhecido, as abelhas produzem mel. Este produto, além de ser uma excelente fonte de energia natural, apresenta propriedades antimicrobianas e anti-sépticas, ajuda a cicatrizar e a prevenir infecções em feridas ou queimaduras. O mel é também utilizado largamente na cosmética devido às suas qualidades adstringentes e suavizantes. Outro produto que estes incansáveis insectos nos proporcionam é a própolis (ou própole), hoje utilizada com maior frequência na prevenção e tratamento de feridas e infecções da via oral, também como antimicótico e cicatrizante. Estudos mais recentes indicam eficiente acção de alguns de seus compostos activos com acção imuno-estimulante e antitumoral. A dimensao do problema vai-se tornando mais grave...
Os efeitos nefastos da utilizacao dos pesticidas ter-se-ao feito sentir igualmente na populacao de insectos, o que terá originado uma quebra insustentável na fonte de alimentos para pássaros. Efectivamente tem-se vindo a registar uma diminuicao substancial na populacao de pássaros só no espaco europeu. Na Gra-Bretanha, por exemplo, a populacao de pardais terá decrescido em 68% desde 1977, notando-se a mesma tendencia em outro tipo de pássaros de bosque e terras de cultivo. Bem diferente da estratégia de Mao nos anos 50*.
Imagine-se o impacto deste tipo de situacoes na manutencao do equilíbrio ambiental.
E a propósito de pássaros, hoje o Spiegel noticiou que um determinado veneno ambiental pode alterar a estrutura hormonal de pássaros como o Íbis de tal forma que estes acabam por sofrer alteracoes comportamentais e se tornam homossexuais, quando expostos a altas concentracoes de um produto chamado Metil Mercúrio (libertado em consequencia de queimadas de resíduos que contenham mercúrio inorganico ou mesmo do uso de combustíveis fósseis como o carvao). Nao se trata de uma notícia de cariz empírico e sim baseada num estudo publicado em Outubro pela Royal Society. A propagacao da espécie estará seriamente ameacada.
Pequenos (grandes) sinais de que andamos mesmo a arriscar demais e a brincar com o nosso planeta como se nao tivesse de haver um amanha. Sendo assim, nao percebo qual o interesse racional de nos reproduzirmos, estando conscientes de que o planeta é único e está a ser irreparavelmente destruído a um passo alucinante. A natureza vinga-se.
*Alusao a mais um episódio negro da ditadura de Mao Tse Tung. Uma das muitas províncias agrícolas chinesas enfrentava problemas com o excesso de pardais, os quais atrapalhavam as colheitas ao se nutrirem das sementes plantadas. Ao tomar conhecimento do facto, o pragmático ditador terá dado ordens para que a população dizimasse todos estes pássaros usando qualquer tipo de estratégia ao alcance. Foi um grande massacre em nome da “caça ecológica”. Resultado: sem os pássaros, seus predadores naturais, os gafanhotos gozaram de condicoes propícias para arrasar com as plantações da província inteira, gerando um longo período de fome e miséria.
30/11/10
Eu nunca guardei rebanhos
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe
de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos
nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos"
Foto: minha.
Como se diz hipócrita em alemao II
Por vezes parece que antecipo acontecimentos. Acredito em coincidencias, mas também creio em causas e consequencias. O mundo revolta-se contra a forma ilícita com que Mr. Assange teve acesso a documentos altamente sensíveis e confidenciais, que nos mostram que o corpo diplomático disto a que chamamos países (eliminemos a ilusao de que este paradigma de accao se reduz aos norte-americanos) actua como se fossem servicos secretos. Nao se sabe quem, mas há figuras a ganhar muito dinheiro com todas estas transaccoes. Os que financiam, os que compram, os que vendem. Desconhece-se a rede deste vazamento, mas critica-se a forma pouco ortodoxa como funciona.
O mundo regozija-se com pormenores mesquinhos, os governantes sentem-se ultrajados e condenam, veementes, o facto de a organizacao WikiLeaks ter ilegitimamente adquirido as informacoes. Caso para pensar em atirar-lhes com um processo legal, afinal o que está por detrás da divulgacao de material altamente classificável sao actividades ilegais de bufos que vendem a sua e a alma dos outros.
Interessante coincidencia eu ontem ter conectado este a outro assunto: a compra recorrente por parte do Estado Alemao de CDs recheados de informacoes sobre clientes germanicos de bancos suícos. Hoje, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha veio reconhecer a legalidade no uso dos dados financeiros obtidos através dos mesmos CDs, esses comprados a delinquentes, antigos funcionários de instituicoes bancárias, por forma a legitimar condenacoes de evasores fiscais. O que me leva a concluir que o órgao mais importante no sistema constitucional alemao apoia directamente actividades de criminosos que, aproveitando-se da sua posicao privilegiada como (ex-)trabalhadores em empresas que auxiliam o contribuinte a fiscalmente se evadir das manápulas fiscais do Estado comilao, vendem material informático que compromete os grandes milionários da nacao.
Tudo é possível por uma boa causa.
O mundo regozija-se com pormenores mesquinhos, os governantes sentem-se ultrajados e condenam, veementes, o facto de a organizacao WikiLeaks ter ilegitimamente adquirido as informacoes. Caso para pensar em atirar-lhes com um processo legal, afinal o que está por detrás da divulgacao de material altamente classificável sao actividades ilegais de bufos que vendem a sua e a alma dos outros.
Interessante coincidencia eu ontem ter conectado este a outro assunto: a compra recorrente por parte do Estado Alemao de CDs recheados de informacoes sobre clientes germanicos de bancos suícos. Hoje, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha veio reconhecer a legalidade no uso dos dados financeiros obtidos através dos mesmos CDs, esses comprados a delinquentes, antigos funcionários de instituicoes bancárias, por forma a legitimar condenacoes de evasores fiscais. O que me leva a concluir que o órgao mais importante no sistema constitucional alemao apoia directamente actividades de criminosos que, aproveitando-se da sua posicao privilegiada como (ex-)trabalhadores em empresas que auxiliam o contribuinte a fiscalmente se evadir das manápulas fiscais do Estado comilao, vendem material informático que compromete os grandes milionários da nacao.
Tudo é possível por uma boa causa.
Eliminando monóxidos...
Os nossos computadores nao sao movidos a moínhos de ventos (ainda nao!). Qualquer um que use electricidade está directamente a causar um impacto negativo sobre o meio ambiente, enquanto as fontes de energia nao forem sustentavelmente renováveis na íntegra. De acordo com um estudo do Dr. Alexander Wissner-Gross, activista do ambiente e físico na Universidade de Harvard, cada consulta de uma página na internet liberta 0,02 gramas de CO2, derivados precisamente dos gastos em electricidade associados à utilizacao de computadores de enorme dimensao assim como servidores (que, caso nao se saiba, precisam de ser conservados a uma temperatura ambiente de 22 graus celsius). Imaginem que um blog normal chama a atencao 15.000 vezes por mes (dream on!), tal significaria que a libertacao de CO2 rondaria os 3,6 kg por ano.
"Performing two Google searches from a desktop computer can generate about the same amount of carbon dioxide as boiling a kettle for a cup of tea, according to new research.
While millions of people tap into Google without considering the environment, a typical search generates about 7g of CO2. Boiling a kettle generates about 15g."
Fui chamada à atencao sobre este facto - subjacente ao pensamento de quem tem mais do que dois neurónios, mas que pensa que está demasiado ocupado para se dedicar ao assunto - através de um amigo, que me conduziu à página da Kaufda. Querendo tornar o nosso impacto pessoal o mais neutral possível, poderemos contribuir, através da iniciativa, para a plantacao de uma árvore. Nao há nada melhor para absorver o carbono do que este ser vivo. Ou entao o mar. O objectivo é plantar 1.000.000 árvores, por isso é juntar-se à iniciativa, por um mundo mais verde.
Espero, porém, que tenham cuidado com a escolha da espécie de árvores que plantam, para nao estragar um qualquer ecosistema local...
29/11/10
O bufo dos bufos
"Our primary interests are in Asia, the former Soviet bloc, Latin America, Sub-Saharan Africa and the Middle East, but we expect to be of assistance to peoples of all countries who wish to reveal unethical behavior in their governments and corporations."
Ainda a propósito disto, e dado que as circunstancias que me tem vindo a rodear nos últimos tempos me obrigaram a desenvolver um sentido de desconfianca perante tudo o que me parece gratuito (e que me perdoem os meus amigos budistas), aguardarei atentamente o dia em que o grande segredo será revelado (e espero bem que nao dure tanto tempo como o do JFK): o momento do leak do WikiLeak. Simplesmente porque nao acredito nas intencoes altruístas de um rapaz australiano armado em Justiceiro e "truth teller" com graves tendencias para a cusquice. E já há quem fale em apoios financeiros oriundos de cantos desconhecidos a esta tao nobre cruzada no valor de um milhao de euros (versao simpatizante) a 200 milhoes (versao governamental).
Esta situacao faz-me lembrar os toupeiras dos bancos no Liechtenstein e na Suíca, os quais descaradamente consolidaram o mercado de venda de CDs pirata. Tal e qual como a prostituicao, enquanto houver procura, haverá oferta.
Ainda a propósito disto, e dado que as circunstancias que me tem vindo a rodear nos últimos tempos me obrigaram a desenvolver um sentido de desconfianca perante tudo o que me parece gratuito (e que me perdoem os meus amigos budistas), aguardarei atentamente o dia em que o grande segredo será revelado (e espero bem que nao dure tanto tempo como o do JFK): o momento do leak do WikiLeak. Simplesmente porque nao acredito nas intencoes altruístas de um rapaz australiano armado em Justiceiro e "truth teller" com graves tendencias para a cusquice. E já há quem fale em apoios financeiros oriundos de cantos desconhecidos a esta tao nobre cruzada no valor de um milhao de euros (versao simpatizante) a 200 milhoes (versao governamental).
Esta situacao faz-me lembrar os toupeiras dos bancos no Liechtenstein e na Suíca, os quais descaradamente consolidaram o mercado de venda de CDs pirata. Tal e qual como a prostituicao, enquanto houver procura, haverá oferta.
28/11/10
USA e o resto do mundo.
Como os Estados Unidos dividem o mundo ou, como diria um nosso compatriota, ou és a meu favor, ou contra mim.
Há relatos sobre a Frigideira Merkel, o irónico Mubarak, o hitleriano Ahmadinedschad, o paranóico Kazai, o epiléptico Jong-il, o nu-imperial Sarkozy, o alfa Putin ou o pandego Berlusconi. Mas porque será que, até ver, os líderes da China ainda nao terao aparecido nos media com nenhuma alcunha?
Deveras interessante a consulta directa no domain alternativo que a WikiLeaks entretanto colocou online por ter sido alvo de um ataque cibernautico na página principal (nem sequer imagino quem possa estar por detrás disto...).
A reaccao dos EUA à divulgacao de documentos altamente confidenciais nao se fez esperar.
“President Obama supports responsible, accountable, and open government at home and around the world, but this reckless and dangerous action runs counter to that goal. (...) By releasing stolen and classified documents, WikiLeaks has put at risk not only the cause of human rights but also the lives and work of these individuals.”
Eu acho irónico que a única instancia a quem é reconhecida a autoridade de decisao sobre o que é legítimo seja o governo norte-americano. Se discutirmos a legalidade da forma como certas declaracoes e informacoes sao obtidas nos círculos da diplomacia corrente, decerto que nao atingiremos consenso. É um facto que estes documentos foram ilegitimamente apropriados pela WikiLeaks (provavelmente anda por aqui a mao dos republicanos ou entao dos chineses...), mas é igualmente questionável como agentes diplomáticos dos países executam o seu trabalho, baseando-o em insider information e bufos, fontes conhecidas, mas deixadas no anonimato. A questao parece ser cada vez mais nao a de "se?", mas a de "quanto custa?".
Obrigada à WikiLeaks (ou ao Jintao) por nos abrir a cortina directamente para os bastidores e nos demonstrar que a política ainda está mais conspurcada do que já parecia.
Foto: Spiegel.
25/11/10
O Triunfo dos Porcos
Com grande alarido, o Governo anuncia cortes salariais na funcao pública até 10% e nao admite excepcoes de qualquer natureza. As medidas foram declaradas como anti-constitucionais, mas curiosamente ninguém deu muito crédito a estas vozes, o que nao se entende, já que a constitucionalidade de legislacoes nao pode ser cinzenta e sim preta ou branca (e se há uma lacuna na Constituicao, há que reagir o quanto antes; também aqui nao houve mobilizacao alguma!). Nao se passou muito tempo sem os primeiros protestos das sub-classes do funcionalismo público, nomeadamente a dos magistrados, os tais aos quais se tem que atribuir o maior número possível de benesses ou nao vao eles, coitadinhos, seres de carne e osso, ceder à tentacao da corrupcao. Afinal o governo nao está intitulado de decidir sobre condicoes salariais desse grupo de interesses tao nobre e produtivo e sim a Assembleia da República. A génese da primeira excepcao à regra tao peremptoriamente definida.
Entretanto, surge a outra situacao excepcional. Por razoes atendíveis, o governo decide dispensar as empresas sob a orla do Estado de cortes salariais por estas estarem expostas à concorrencia directa com outras no mercado, já que tal medida poderia conduzir a um esvaziamento dos quadros. A decisao está totalmente dependente do parecer do Ministro das Financas. Sao as chamadas "adaptações justificadas" pela "natureza empresarial" de cada caso.
Eu pergunto: Desde quando é que esta ameaca de fuga de quadros existe? Desde sempre. E porque apenas restringidas a empresas? Será apenas uma questao de tempo até se tomar uma decisao análoga em relacao a deputados e assistencias, afinal a economia real tornar-se-á também para estes mais atractiva.
Nesta Animal's Farm, apenas as moscas mudam.
24/11/10
Vou encher os pulmoes de um grande folego...
... e irei voltar assim que tenha finalmente entendido o processo de criacao monetária, incluindo fundos europeus de emergencia, assim como o que realmente está por detrás da "crise" na Irlanda e a reaccao dos senhores mercados às medidas anunciadas. E porque tudo está a acontecer tao repentina e concertadamente, quando o problema da dívida e do défice públicos nao é só de agora. E, já agora, em que medida real a Alemanha merece as responsabilidades que lhe estao a ser atribuídas quanto aos problemas sentidos nos países periféricos.
It might take a while...
It might take a while...
A Jóia de Pandora
Momento epifanico do dia. Finalmente consegui entender o sucesso das pulseiras da marca dinamarquesa Pandora. Anos e anos tentei descortinar porque, em tempos de individualidade e originalidade, em que cada um se pode dar ao luxo de ser e ter aquilo que se coaduna consigo mesmo, há pessoas que insistem em adornar-se da mesmíssima forma, com as mesmíssimas pecas, produzidas em série para 31 países, ainda que em sequencias diversas mas com o mesmíssimo aspecto de todas as outras. Até móveis do Ikea ou mesmo vestuário da H&M conferem mais estilo do que os famigerados aros de pulso (quase tao idióticos como as anilhas que a convencao nos obriga a usar quando decidimos assinar um papel de efeito mais legal e menos emocional, ou nao será nem o papel nem a peca de joalheria - quanto maior, menor a intimidade de sentimentos, maior exibicionismo oco - a travar seja que decisao for, daí completamente supérfluos), com uma pecazinha da Vista Alegre ou da Stefanel consegue-se sempre disfarcar que fazemos parte da massificacao do baratuxo e atenuamos a consciencia pesada por estarmos, directamente, a apoiar modos produtivos exploradores em países terceiro-mundistas.
Ora, o fenómeno tem um sentido utilitário, principalmente em épocas de consumismo fascista como o Natal, o Dia dos Companheiros (ou Namorados, como se queira) ou os aniversários. Aposto que quem inventou a pulseira dos seguidistas foi alguém que nunca soube o que haveria de oferecer e sempre passou horas e horas a contemplar vitrines (sim, porque a maior parte está à espera que a resposta para algo original esteja fora e nao dentro de nós...) em busca DAQUELE presente que mais tenha a ver com a pessoa a quem ele se destina. Pim, fez-se luz, e porque nao criar uma jóia parecida à coleccao da Playmobil, com design e símbolos que cativem, mas que deem a sensacao de coleccao, do inatingível, do "nao se pode ter tudo de uma vez, assim se te portares bem, ofereco-te mais um!"? Mesmo que, após 20 ou 30 ocasioes, o objecto já esteja tao repleto de penduricalhos em forma de animais (ah, que fofura, e eu que gosto tanto de caes e borboletas!) ou coracoezinhos, pode sempre comprar-se o próximo e atafulhá-lo de panelas de pressao em miniatura ou paninhos da louca, que ficam tao giros em versao minúscula. Depois é como os cromos, encontram-se as amigas nos cafés e fazem trocas dos repetidos.
Um verdadeiro presente social, ora aí está.
Como na caixa de Pandora, resta-me a esperanca de que, um dia, tudo volte ao normal.
E o plural de micro-cosmos é...
Para alguns, a infancia foi marcada por desenhos animados. A minha também, claro. Porém, a minha recordacao infantil mais vívida é ironicamente de uma série alema sobre adolescentes cuja existencia se encontrava terrivelmente condicionada pelo Muro de Berlim. Lembro-me do cinzentao da cidade, da áurea de terror que lhes minava os movimentos, da insubserviencia que lhes alimentava a motivacao, da sensacao de que cada passo estava a ser objecto de observacao dos agentes infiltrados. Nunca mais consegui encontrar referencias a esta série, a memória tratou de me roubar o seu nome, nao consigo recordar-me de quaisquer nomenclaturas nem das personagens fictícias. É nestas ocasioes que a memória selectiva me irrita profundamente. Mas, lutando contra as perdas do tempo, retive uma expressao que me tem acompanhado ao longo deste meu percurso, ouvida pela primeira vez num dos episódios dessa série perdida nos anais da televisao: Terra de Ninguém. Niemandsland. A língua alema tem destes fascínios, há expressoes, muitas vezes em forma de uma só e singela palavra, para tudo, desde situacoes ou objectos a estares de alma. Ao contrário do que pensamos em Portugal, nao detemos o monopólio sobre a palavra Saudade (Sehnsucht). Quanto ao verdadeiro sentir, aí a coisa já é bem diferente. Nao conheci, em dez anos de percurso migratório com história bem sucedida de integracao, um alemao que conseguisse sentir a saudade como nós, profunda e dolorosamente.
E, desderrapando, a Terra de Ninguém simbolizava um estreito, um pedacinho de território subterraneo entre a Alemanha de Leste e a República Federal, o qual nao pertencia nem a uma nem a outra. Era aí que o grupo se refugiava e se entregava a uma liberdade virtual porque momentanea, confinada a esse espaco e ao tempo em que podiam esquecer-se em que realidade se moviam. Sempre quis conquistar um refúgio semelhante, no qual me pudesse perder em fantasias e imaginar o mundo tal como eu o queria, para outros e para mim. Um mundo que nao pertencia a ninguém.
Hoje, estou presa nesse mundo, físico, porque me sinto uma cidada de Ninguém. Estou entre fronteiras, mentais. Vivo em vários universos, micro-cosmos distintos de contextos, costumes, línguas, mentalidades, visoes, necessidades, raciocínios, paixoes, comodidades. É o país que carrego em mim e pelo qual sinto emocoes nao susceptíveis de qualquer fundamentacao racional, o que me está contido nos genes, que constitui a minha história primordial, o que me deixa ser eu, que me deixa triste e pensativa por nao corresponder à Terra de Ninguém da minha infancia, pelo qual presentemente nao consigo sentir orgulho, sentimentozinho negativo derivado de um ego colectivo, mas que nos liga a alguma coisa e nos faz sentir mais palpáveis e nos forma a consciencia de pertencer a um todo que é maior do que a nossa individualidade.
Há um outro país, igualmente dérmico, mas mais remoto no tempo, onde me re-descobri sobretudo pelo início solitário que me obrigou a partir a casca protectora e a expor-me se quisesse evitar o abismo dos anti-descobrimentos. Foram tempos iluminados pela chama da ingenuidade pueril que conservamos acesa dentro de nós enquanto navegadores no mar das experiencias, até um primeiro temporal a apagar.
Exploro agora um outro país, um que me acolheu, nao de bracos estendidos, ah nao, primeiro aprende-se a conhecer, só depois se toma a decisao se se gosta ou nao. O país que me deu oportunidades para crescer em pragmatismo e eficiencia (e uma semente só pode vingar se o solo for fértil, digo eu), para desenvolver a nocao do correcto e adequado, para reconhecer o valor da previsibilidade como garante de seguranca, afinal sabe mesmo muito bem saber com que se pode contar.
Movimento-me entre eles, ignorando as fronteiras que mesmo dentro de mim se foram soerguendo com o tempo.
Onde pertenco? A todos eles. E a lado nenhum. A uma Dazwischenland, terra intermédia, entre alguma coisa e coisa nenhuma.
E, desderrapando, a Terra de Ninguém simbolizava um estreito, um pedacinho de território subterraneo entre a Alemanha de Leste e a República Federal, o qual nao pertencia nem a uma nem a outra. Era aí que o grupo se refugiava e se entregava a uma liberdade virtual porque momentanea, confinada a esse espaco e ao tempo em que podiam esquecer-se em que realidade se moviam. Sempre quis conquistar um refúgio semelhante, no qual me pudesse perder em fantasias e imaginar o mundo tal como eu o queria, para outros e para mim. Um mundo que nao pertencia a ninguém.
Hoje, estou presa nesse mundo, físico, porque me sinto uma cidada de Ninguém. Estou entre fronteiras, mentais. Vivo em vários universos, micro-cosmos distintos de contextos, costumes, línguas, mentalidades, visoes, necessidades, raciocínios, paixoes, comodidades. É o país que carrego em mim e pelo qual sinto emocoes nao susceptíveis de qualquer fundamentacao racional, o que me está contido nos genes, que constitui a minha história primordial, o que me deixa ser eu, que me deixa triste e pensativa por nao corresponder à Terra de Ninguém da minha infancia, pelo qual presentemente nao consigo sentir orgulho, sentimentozinho negativo derivado de um ego colectivo, mas que nos liga a alguma coisa e nos faz sentir mais palpáveis e nos forma a consciencia de pertencer a um todo que é maior do que a nossa individualidade.
Há um outro país, igualmente dérmico, mas mais remoto no tempo, onde me re-descobri sobretudo pelo início solitário que me obrigou a partir a casca protectora e a expor-me se quisesse evitar o abismo dos anti-descobrimentos. Foram tempos iluminados pela chama da ingenuidade pueril que conservamos acesa dentro de nós enquanto navegadores no mar das experiencias, até um primeiro temporal a apagar.
Exploro agora um outro país, um que me acolheu, nao de bracos estendidos, ah nao, primeiro aprende-se a conhecer, só depois se toma a decisao se se gosta ou nao. O país que me deu oportunidades para crescer em pragmatismo e eficiencia (e uma semente só pode vingar se o solo for fértil, digo eu), para desenvolver a nocao do correcto e adequado, para reconhecer o valor da previsibilidade como garante de seguranca, afinal sabe mesmo muito bem saber com que se pode contar.
Movimento-me entre eles, ignorando as fronteiras que mesmo dentro de mim se foram soerguendo com o tempo.
Onde pertenco? A todos eles. E a lado nenhum. A uma Dazwischenland, terra intermédia, entre alguma coisa e coisa nenhuma.
22/11/10
Abrandemos!
"Quisemos a velocidade do som com os aviões e a velocidade da luz com a Internet, mas, agora que conquistámos a contemporaneidade absoluta, só conseguimos pensar numa coisa: abrandar."
Retirado daqui.
Preciso de uma lamparina!
Se Aladino aparecesse, um dos meus desejos de momento seria parar o tempo. Por um dia. Preciso de me organizar... O mundo nao deixa de girar por passarmos uns dias offline.
15/11/10
Há momentos assim...
Nunca gostei muito de domingos. Em circunstancias normais, constituem dias de antecipacao. Sou uma pessoa incapaz de gozar completamente o momento sem comecar a pensar no que me espera nos minutos, horas, dias seguintes. Jamais consegui deixar-me absorver por completo. Aguardo ansiosamente a minha primeira sessao de meditacao, que terá lugar já amanha.
No último domingo do meu passado remoto, maneira sobeja de me referir a ontem, deambulava pelas paredes que me confinam, perdida no tempo que tenho em demasia. Tinha passado a manha a navegar, o início da tarde acompanhada pelas notícias palpáveis do jornal, até estas se terem turvado por completo à minha frente. Sinal de mudanca. Ergo-me do sofá, caminho até à janela, perscruto o tempo, com esperancas de que mais uma tempestade com nome feminino tivesse deixado de grassar a zona. A chuva continuava a fustigar violentamente, qual gesto de vinganca, os obstáculos que ia encontrando no seu percurso incontrolável. Impaciente, rendo-me a uma tentacao. Poderia ligar os meus binóculos. Nao, nao me refiro àqueles que se usam para observar as aves raras da vizinhanca, mas uns outros, de forma rectangular, cuja dimensao parece ser inversamente proporcional à dimensao dos computadores, que me conectam directamente com o mundo real, imaginado pelos imperialismos modernos, aqueles que definem o que é correcto e socialmente aceitável, e que me moldam o espírito até à mórbida estupidez.Cedi, afinal o entretenimento é tao fácil. E pleno de surpresas.
Deixei-me estar ligada a um canal cujos conteúdos agradam normalmente a uma classe média alta, maioritariamente masculina, e que nao esconde a sua preferencia pela tecnicidade da realidade, ou nao fosse este um canal alemao. Desta vez mostram o desenvolvimento na construcao do Mundo Ferrari em Abu Dhabi, o maior parque interior de diversoes do mundo. Mundo Ferrari, pergunto-me, estarrecida? Em tempos de contencao, aquecimento global e endemonizacao do petróleo, veem estes celebrar-se a si mesmos desta forma despropositadamente pomposa? Sim, e assim acontece. Nao se tratava de um documentário ficcional e sim altamente infornativo, a tal da pura realidade. Tao nua e crua. Porque soubemos que a marca Ferrari nao sofre com a crise (é tao ou nada interessante que já há rumores de que a VW intenciona adquiri-la), que continua a haver investidores com fundos de porte gigantesco dispostos a investir em luxo, puro e duro, que há quem disponha do suficiente para gastar €45 por pessoa num parque de diversoes (para nao falar na viagem), que os chefes de departamento e gestores de projecto nao sao naturais do país onde o mamute é edificado e sao sim, na sua maioria, anglo-saxónicos ou escandinavos (isto quererá dizer que a concentracao de neurónios operativos respeitará algum paradigma geográfico?), ou seja, brancos (ah, a tal da raca), que a maior parte dos trabalhadores que limpam tres vezes por dia (e à custa de 3000 litros de água) o telhado do edifício ou enceram o chao do food court ou pregam os parafusos dos aparelhinhos que seguram o papel higiénico nas casas de banho de mármore apresentam uma tez escurinha, diria mesmo de sub-continente.
A estes seres reconhece um dos cara-pálidas, de seu nome Robert, um grande privilégio durante a preparacao da apresentacao do espaco. "Quem é que já nao sonhou com o momento de empurrar um Ferrari por uma rampa acima, hein? Nao é para qualquer um..." Tirando o facto de o bicho ter umas toneladas a mais em relacao a outros da mesma espécie, pensei eu para com os meus botoes: Realmente esse privilégio só poderá ser equiparado a limpar a sanita de ouro do presidente do Uzbequistao.
E foi assim que o meu domingo se tornou menos cinzento e mais dourado.
No último domingo do meu passado remoto, maneira sobeja de me referir a ontem, deambulava pelas paredes que me confinam, perdida no tempo que tenho em demasia. Tinha passado a manha a navegar, o início da tarde acompanhada pelas notícias palpáveis do jornal, até estas se terem turvado por completo à minha frente. Sinal de mudanca. Ergo-me do sofá, caminho até à janela, perscruto o tempo, com esperancas de que mais uma tempestade com nome feminino tivesse deixado de grassar a zona. A chuva continuava a fustigar violentamente, qual gesto de vinganca, os obstáculos que ia encontrando no seu percurso incontrolável. Impaciente, rendo-me a uma tentacao. Poderia ligar os meus binóculos. Nao, nao me refiro àqueles que se usam para observar as aves raras da vizinhanca, mas uns outros, de forma rectangular, cuja dimensao parece ser inversamente proporcional à dimensao dos computadores, que me conectam directamente com o mundo real, imaginado pelos imperialismos modernos, aqueles que definem o que é correcto e socialmente aceitável, e que me moldam o espírito até à mórbida estupidez.Cedi, afinal o entretenimento é tao fácil. E pleno de surpresas.
Deixei-me estar ligada a um canal cujos conteúdos agradam normalmente a uma classe média alta, maioritariamente masculina, e que nao esconde a sua preferencia pela tecnicidade da realidade, ou nao fosse este um canal alemao. Desta vez mostram o desenvolvimento na construcao do Mundo Ferrari em Abu Dhabi, o maior parque interior de diversoes do mundo. Mundo Ferrari, pergunto-me, estarrecida? Em tempos de contencao, aquecimento global e endemonizacao do petróleo, veem estes celebrar-se a si mesmos desta forma despropositadamente pomposa? Sim, e assim acontece. Nao se tratava de um documentário ficcional e sim altamente infornativo, a tal da pura realidade. Tao nua e crua. Porque soubemos que a marca Ferrari nao sofre com a crise (é tao ou nada interessante que já há rumores de que a VW intenciona adquiri-la), que continua a haver investidores com fundos de porte gigantesco dispostos a investir em luxo, puro e duro, que há quem disponha do suficiente para gastar €45 por pessoa num parque de diversoes (para nao falar na viagem), que os chefes de departamento e gestores de projecto nao sao naturais do país onde o mamute é edificado e sao sim, na sua maioria, anglo-saxónicos ou escandinavos (isto quererá dizer que a concentracao de neurónios operativos respeitará algum paradigma geográfico?), ou seja, brancos (ah, a tal da raca), que a maior parte dos trabalhadores que limpam tres vezes por dia (e à custa de 3000 litros de água) o telhado do edifício ou enceram o chao do food court ou pregam os parafusos dos aparelhinhos que seguram o papel higiénico nas casas de banho de mármore apresentam uma tez escurinha, diria mesmo de sub-continente.
A estes seres reconhece um dos cara-pálidas, de seu nome Robert, um grande privilégio durante a preparacao da apresentacao do espaco. "Quem é que já nao sonhou com o momento de empurrar um Ferrari por uma rampa acima, hein? Nao é para qualquer um..." Tirando o facto de o bicho ter umas toneladas a mais em relacao a outros da mesma espécie, pensei eu para com os meus botoes: Realmente esse privilégio só poderá ser equiparado a limpar a sanita de ouro do presidente do Uzbequistao.
E foi assim que o meu domingo se tornou menos cinzento e mais dourado.
14/11/10
Primeiros pensamentos do dia. Melhor nao saber qual terá sido o sonho...
Tanto chorou que se desintegrou em lágrimas. A dor traz descobertas.
Critérios cibernéticos de avaliacao
Hoje preenchi uma candidatura virtual a um novo desafio. O local de trabalho seria na Alemanha, mas a organizacao é internacional. Foi-me simpático o facto de nao pedirem que adicionasse uma fotografia, como é usual quando alguém se candidata a uma posicao numa empresa alema. O povo germanico nao é muito receptivo quanto a surpresas e aprecia manter alguns preconceitos.
Tudo se processa com a maior das normalidades. Eis que chego ao segundo passo da plataforma e deparo-me pela primeira vez na minha vida - num contexto semelhante - com a seguinte questao: "Quanto mede?". Enquanto tento digeri-la, os meus olhos descem uns milímetros no ecra e leem a pergunta seguinte: "Quanto pesa?". A minha expressao de incredulidade nao me deixou por vários minutos. Estive mesmo prestes a fechar a janela e terminar o processo por ali. Entao a discriminacao nao se opera pela foto e sim pelo Body Mass Index? Engoli em seco e prossegui. Dei-me a conhecer, respondi a tudo o que me perguntaram, vencida pela necessidade e por uma incomensurável vontade de adquirir este emprego que me parece de sonho. O resto decorreu com a previsibilidade esperada, o estilo era estandardizado.
De qualquer forma, fiquei a ponderar sobre a relevancia deste tipo de informacao. Tudo o que se questiona serve para preencher determinados critérios pré-estabelecidos, seja esse a idade (acaba por ser igualmente discriminatório), a formacao académica ou as expectativas quanto ao salário. Mas peso e altura?? Lembrei-me de uma pessoa que conheco que se candidatou a um lugar efectivo na funcao pública alema (a qual, tal como em Portugal, dá direito a muitos privilégios e benesses, pelo menos enquanto o Estado Social for mantido) e foi recusada por ter peso a mais. A razao apresentada foi que essa pessoa, por pesar muito mais do que seria o devido (definido por alguém algures nao sei quando... se bem que a rapariga é tao gorda que mal consegue dar 10 passos sem ter que se sentar, queixando-se que vai sofrer de um colapso se nao comer qualquer coisinha nos segundos seguintes - e é uma que gosta de morangos com acucar, baaah!), apresentaria um risco de ausencias e faltas pois a sua condicao física poderia estar, de futuro, na causa de doencas, o que implicaria uma menor produtividade no trabalho. Brutal, nao? Será esta a razao? Já ouvi que este tipo de avaliacao é igualmente usado nos EUA (mais um país que, no ambito de candidaturas, prescinde de fotos, mas onde as pessoas sofrem de discriminacao pura e simplesmente pelo nome que tem, como analisaram os economistas autores de Freakonomics) e tem havido mesmo despedimentos com base em problemas relacionados com obesidade de empregados.
Chamem-lhes precavidos. Mas questiono-me a que ponto chegaremos se continuarmos a este ritmo. Já agora, um dia teremos que anexar, nao a foto (nao queremos cá acusacoes de racismo!), mas a ficha médica.
Tudo se processa com a maior das normalidades. Eis que chego ao segundo passo da plataforma e deparo-me pela primeira vez na minha vida - num contexto semelhante - com a seguinte questao: "Quanto mede?". Enquanto tento digeri-la, os meus olhos descem uns milímetros no ecra e leem a pergunta seguinte: "Quanto pesa?". A minha expressao de incredulidade nao me deixou por vários minutos. Estive mesmo prestes a fechar a janela e terminar o processo por ali. Entao a discriminacao nao se opera pela foto e sim pelo Body Mass Index? Engoli em seco e prossegui. Dei-me a conhecer, respondi a tudo o que me perguntaram, vencida pela necessidade e por uma incomensurável vontade de adquirir este emprego que me parece de sonho. O resto decorreu com a previsibilidade esperada, o estilo era estandardizado.
De qualquer forma, fiquei a ponderar sobre a relevancia deste tipo de informacao. Tudo o que se questiona serve para preencher determinados critérios pré-estabelecidos, seja esse a idade (acaba por ser igualmente discriminatório), a formacao académica ou as expectativas quanto ao salário. Mas peso e altura?? Lembrei-me de uma pessoa que conheco que se candidatou a um lugar efectivo na funcao pública alema (a qual, tal como em Portugal, dá direito a muitos privilégios e benesses, pelo menos enquanto o Estado Social for mantido) e foi recusada por ter peso a mais. A razao apresentada foi que essa pessoa, por pesar muito mais do que seria o devido (definido por alguém algures nao sei quando... se bem que a rapariga é tao gorda que mal consegue dar 10 passos sem ter que se sentar, queixando-se que vai sofrer de um colapso se nao comer qualquer coisinha nos segundos seguintes - e é uma que gosta de morangos com acucar, baaah!), apresentaria um risco de ausencias e faltas pois a sua condicao física poderia estar, de futuro, na causa de doencas, o que implicaria uma menor produtividade no trabalho. Brutal, nao? Será esta a razao? Já ouvi que este tipo de avaliacao é igualmente usado nos EUA (mais um país que, no ambito de candidaturas, prescinde de fotos, mas onde as pessoas sofrem de discriminacao pura e simplesmente pelo nome que tem, como analisaram os economistas autores de Freakonomics) e tem havido mesmo despedimentos com base em problemas relacionados com obesidade de empregados.
Chamem-lhes precavidos. Mas questiono-me a que ponto chegaremos se continuarmos a este ritmo. Já agora, um dia teremos que anexar, nao a foto (nao queremos cá acusacoes de racismo!), mas a ficha médica.
12/11/10
Finalmente o manual dedicado ao amor de que todos estavamos à espera ou o eufemismo mais bem conseguido desde a identificacao da pedofilia
Mensagem promocional da entidade comercial, a Amazon norte-americana:
“Amazon believes it is censorship not to sell certain books simply because we or others believe their message is objectionable. Amazon does not support or promote hatred or criminal acts, however, we do support the right of every individual to make their own purchasing decisions.”
Por este prisma, também poderiam vender "Mein Kampf".
Afinal acabaram por o retirar da venda ao público (o que nao quer dizer que o tenham eliminado das prateleiras). Só espero que o Carlinhos tenha ido a tempo de o encomendar.
E eu que pensava que os norte-americanos eram púdicos...
“Amazon believes it is censorship not to sell certain books simply because we or others believe their message is objectionable. Amazon does not support or promote hatred or criminal acts, however, we do support the right of every individual to make their own purchasing decisions.”
Por este prisma, também poderiam vender "Mein Kampf".
Afinal acabaram por o retirar da venda ao público (o que nao quer dizer que o tenham eliminado das prateleiras). Só espero que o Carlinhos tenha ido a tempo de o encomendar.
E eu que pensava que os norte-americanos eram púdicos...
Nunca gostei de morangos com acucar!
Nem sequer de morangos com chantilly. Depois de ter lido esta, nao sei se nem ao natural. E muito menos no Inverno.
Assim que surgir a oportunidade, ficarei satisfeita se alguém me conseguir explicar porque fundos do erário europeu e, logo, público sao usados para comparticipar despesas de viagem de uma empresa privada. Apenas out of curiosity...
Assim que surgir a oportunidade, ficarei satisfeita se alguém me conseguir explicar porque fundos do erário europeu e, logo, público sao usados para comparticipar despesas de viagem de uma empresa privada. Apenas out of curiosity...
A cultura circulando pelas ruas da amargura
Enquanto uns deixam ruir símbolos da Antiguidade, considerados patrimónios da Humanidade, por falta de verbas e outros as utilizam para financiar promocoes oblíquas e no mínimo bizarras da cultura regional - e ainda as acham legítimas -, eu vou aplicando o meu entretanto reduzido ao mínimo fundo de maneio em iniciativas culturais no ambito do evento "Essen - Capital Europeia da Cultura 2010". Normalmente aposto no desconhecido, completamente às escuras, nao sigo instincto nenhum, deixo-me conduzir por uma vontade enorme de acreditar que irei passar um bom bocado, alheada a esta realidade tao próxima.
Hoje foi a vez de uma peca de teatro, L'effet de Serge, encenada por Philippe Quesne, frances devidamente credenciado, até com público do Georges Pompidou. Perante esta sinopse - "It somehow communicates the essence of theater itself. It demonstrates how the simplest object, the merest gesture, can produce wonder."-, foi-me difícil resistir. Dever-me-ia ter concentrado no significado profundo de "SOMEHOW", mas nao, ignorei-o redondamente.
Foram 75 minutos de martírio, sentimentos misturados, ansiedade extrema por ver o tempo a passar e eu sem poder exprimir uma emocao que nao o tédio. Aliás, os sentimentos no público eram de facto incrivelmente diversos: a pessoa do meu lado direito nao parava de soltar risadinhas, até nas cenas intermédias de silencio, menos insólitas e portanto, neste contexto, mais insignificantes, o que me estava deveras a enervar, enquanto que a pessoa do lado esquerdo deixava pender a cabeca, nao sei se rendida ao cansaco ou ao enfado. A história? Alguém, Sérgio, ser solitário e entregue à rotina que compoe os dias, co-habita um apartamento espartanico e desprovido de tudo o que seja sinal de comforto ou humanismo, mais parecido com um atelier de artista pouco motivado, com engenhocas capazes de produzir efeitos especiais. Sao estes, e apenas estes, o que seus amigos procuram quando o vao visitar uma vez por semana. Chegam, despem o casaco, poe-se confortáveis na medida do possível, descansam o corpo em cadeiras de madeira que Sérgio meticulosamente posiciona no espaco de exposicao. Um copo de vinho é servido. O espectáculo especial, invariavelmente acompanhado por génios musicais, dura pouco. Os convidados, após tecerem os mais variados elogios ao que acabaram de presenciar, apressam-se a terminar o vinho de forma a que o anfitriao, numa miscelanea de desconforto e heremitério, os acompanhe à porta. Uns sucedem-se aos outros, mas nunca simultaneamente. Até ao dia em que aparecem todos, um casal, sem vida, emocao ou interesse, uma rapariga que nao consegue esconder o seu interesse mais carnal pelo artista, um idoso que se move a bicicleta e parece absorver vinho como se disso dependesse a sua sobrevivencia, uma senhora de ar desconfiado que explora o espaco alheio, um rapaz acompanhado pelo seu cao (o único a ser ouvido da plateia). Chegam, sentam-se, conversam, observam, apreciam, comentam, comem fast-food e despedem-se. Nada mais. O show chega ao fim.
A minha expressao facial passou do aborrecimento ao ponto de interrogacao. A plateia aplaudiu de tal forma entusiasta que os actores foram obrigados a agradecer e regressar ao palco quatro vezes. QUATRO VEZES? Se tivesse sido uma peca de génio, aposto que os mesmos apreciadores literados ficariam no teatro o resto da noite, aplaudindo até as palmas das maos accionarem o alarme aos bombeiros.
Um único momento houve que me agradou. Sérgio prepara como efeito especial a uma das convidadas um laser, verde e muito 80s, projectado na parede suja e esvaziada do apartamento, cuja forma se vai modificando ao som da melodia de John Cage. A projeccao nao dura mais do que um minuto. No final, em sinal de amabilidade, cortesia ou complexo de superioridade (digo eu), tece os comentários devidos e muito elaborados, para mim transcendentes. Os espectadores riem-se a bandeiras despregadas. Eu sorrio. Porque fico a pensar se terao percebido a ironia da situacao e terao deixado as suas próprias apreciacoes tao intelectuais para aquelas horas pós-espectáculo no barzinho do teatro, onde tantas almas gémeas perdidas parecem reencontrar-se.
Hoje foi a vez de uma peca de teatro, L'effet de Serge, encenada por Philippe Quesne, frances devidamente credenciado, até com público do Georges Pompidou. Perante esta sinopse - "It somehow communicates the essence of theater itself. It demonstrates how the simplest object, the merest gesture, can produce wonder."-, foi-me difícil resistir. Dever-me-ia ter concentrado no significado profundo de "SOMEHOW", mas nao, ignorei-o redondamente.
Foram 75 minutos de martírio, sentimentos misturados, ansiedade extrema por ver o tempo a passar e eu sem poder exprimir uma emocao que nao o tédio. Aliás, os sentimentos no público eram de facto incrivelmente diversos: a pessoa do meu lado direito nao parava de soltar risadinhas, até nas cenas intermédias de silencio, menos insólitas e portanto, neste contexto, mais insignificantes, o que me estava deveras a enervar, enquanto que a pessoa do lado esquerdo deixava pender a cabeca, nao sei se rendida ao cansaco ou ao enfado. A história? Alguém, Sérgio, ser solitário e entregue à rotina que compoe os dias, co-habita um apartamento espartanico e desprovido de tudo o que seja sinal de comforto ou humanismo, mais parecido com um atelier de artista pouco motivado, com engenhocas capazes de produzir efeitos especiais. Sao estes, e apenas estes, o que seus amigos procuram quando o vao visitar uma vez por semana. Chegam, despem o casaco, poe-se confortáveis na medida do possível, descansam o corpo em cadeiras de madeira que Sérgio meticulosamente posiciona no espaco de exposicao. Um copo de vinho é servido. O espectáculo especial, invariavelmente acompanhado por génios musicais, dura pouco. Os convidados, após tecerem os mais variados elogios ao que acabaram de presenciar, apressam-se a terminar o vinho de forma a que o anfitriao, numa miscelanea de desconforto e heremitério, os acompanhe à porta. Uns sucedem-se aos outros, mas nunca simultaneamente. Até ao dia em que aparecem todos, um casal, sem vida, emocao ou interesse, uma rapariga que nao consegue esconder o seu interesse mais carnal pelo artista, um idoso que se move a bicicleta e parece absorver vinho como se disso dependesse a sua sobrevivencia, uma senhora de ar desconfiado que explora o espaco alheio, um rapaz acompanhado pelo seu cao (o único a ser ouvido da plateia). Chegam, sentam-se, conversam, observam, apreciam, comentam, comem fast-food e despedem-se. Nada mais. O show chega ao fim.
A minha expressao facial passou do aborrecimento ao ponto de interrogacao. A plateia aplaudiu de tal forma entusiasta que os actores foram obrigados a agradecer e regressar ao palco quatro vezes. QUATRO VEZES? Se tivesse sido uma peca de génio, aposto que os mesmos apreciadores literados ficariam no teatro o resto da noite, aplaudindo até as palmas das maos accionarem o alarme aos bombeiros.
Um único momento houve que me agradou. Sérgio prepara como efeito especial a uma das convidadas um laser, verde e muito 80s, projectado na parede suja e esvaziada do apartamento, cuja forma se vai modificando ao som da melodia de John Cage. A projeccao nao dura mais do que um minuto. No final, em sinal de amabilidade, cortesia ou complexo de superioridade (digo eu), tece os comentários devidos e muito elaborados, para mim transcendentes. Os espectadores riem-se a bandeiras despregadas. Eu sorrio. Porque fico a pensar se terao percebido a ironia da situacao e terao deixado as suas próprias apreciacoes tao intelectuais para aquelas horas pós-espectáculo no barzinho do teatro, onde tantas almas gémeas perdidas parecem reencontrar-se.
11/11/10
Absurdidades do Estado Alemao
Um sistema civilizado só consegue funcionar quando suportado por todos. A única diferenca entre o ser humano e o resto dos animais é o facto de o homem nao aceitar qualquer seleccao natural da espécie (claro que há uma seleccao humana, ou os continentes africano e asiático nao estariam na actual miséria exploratória em que se encontram). Ao contrário do cenário idealizado em The Day After, o qual nao estará assim tao longínquo das nossas condicoes futuras face a uma escassez até hoje incontornável de recursos, nós carregamos fortes, fracos, velhos, novos, produtivos ou incapacitados. Construímos infra-estruturas, frequentamos o sistema público de ensino, financiamos sistemas nacionais de saúde, apoiamos a conservacao de patrimónios históricos, deleitamo-nos com momentos de cultura em museus, teatros, pequenas iniciativas, sentimo-nos menos inseguros porque sabemos da existencia de forcas policiais (que alguns teimam em chamar forcas da ordem), enfim, gozamos de todo um conjunto de aspectos que nos envolvem e que nos permitem a (sobre)vivencia relativamente cómoda de hoje.
Por isso, nao me importo de pagar impostos. Porque reconheco a sua utilidade e valorizo a solidariedade. O Estado Alemao tributa-me e tributa-me bem, principalmente porque pertenco àquele escalao dos solteiros e nao-progenitores.
Mas haveria necessidade de pagar impostos sobre caes? Estes impostos aplicam uma discriminacao consoante o tamanho e o grau de perigosidade do canino mediante registos estatísticos de acidentes envolvendo cada raca. Um Chihuahua nao custa tanto ao dono como um Pastor Alemao ou um Dobermann. Caso para ponderar, se se gostar de caes de porte grandioso que nao se assemelhem a ratos de laboratório.
Nao entendo a lógica, ainda para mais quando hoje em dia, em resultado da paranóia com doencas e contágios de todo o tipo, os caes domésticos sao levados mais frequentemente ao veterinário do que o próprio dono se leva a si (ao seu), quando qualquer um (com excepcao dos moradores do Bairro de Celas em Coimbra, mas isto é em Portugal) já se consciencializou de que tem que levar um saquinho higiénico para remover os resquícios do seu companheiro canino, quando a maior parte dos utentes de praia (exceptuando os de Monte Clérigo no Alentejo... huumm... lá estou eu a regressar a terras lusas) respeita a higiene e a saúde públicas e nao escolhe o areal para se pavonear com os pequerruchos em plena estacao veraneante.
A mim isto soa-me a chupismo estatal.
Por isso, nao me importo de pagar impostos. Porque reconheco a sua utilidade e valorizo a solidariedade. O Estado Alemao tributa-me e tributa-me bem, principalmente porque pertenco àquele escalao dos solteiros e nao-progenitores.
Mas haveria necessidade de pagar impostos sobre caes? Estes impostos aplicam uma discriminacao consoante o tamanho e o grau de perigosidade do canino mediante registos estatísticos de acidentes envolvendo cada raca. Um Chihuahua nao custa tanto ao dono como um Pastor Alemao ou um Dobermann. Caso para ponderar, se se gostar de caes de porte grandioso que nao se assemelhem a ratos de laboratório.
Nao entendo a lógica, ainda para mais quando hoje em dia, em resultado da paranóia com doencas e contágios de todo o tipo, os caes domésticos sao levados mais frequentemente ao veterinário do que o próprio dono se leva a si (ao seu), quando qualquer um (com excepcao dos moradores do Bairro de Celas em Coimbra, mas isto é em Portugal) já se consciencializou de que tem que levar um saquinho higiénico para remover os resquícios do seu companheiro canino, quando a maior parte dos utentes de praia (exceptuando os de Monte Clérigo no Alentejo... huumm... lá estou eu a regressar a terras lusas) respeita a higiene e a saúde públicas e nao escolhe o areal para se pavonear com os pequerruchos em plena estacao veraneante.
A mim isto soa-me a chupismo estatal.
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