16/12/10

A nuance da legalidade

Espionagem constitui um pilar na forma de funcionamento institucional das sociedades de hoje. É conhecido que todos os estados, sejam eles democracias ou ditaduras, utilizam os seus espioes (nao é por acaso que muitas vezes nos referimos a esses tentáculos alargados do estado como agentes secretos, ou seja, a quem é reconhecida uma legitimidade de existencia) na obtencao de informacao que lhes interessa. Espionagem é considerado algo pouco lícito, escondido, envolvido em secretismos, códigos de conduta, honra e comunicacao, miscelaneas de identidades, residencias, funcoes, disfarces. Há relatos de influencias espionísticas em qualquer acontecimento de grande porte da nossa história (Primeira e Segunda Guerras Mundiais, Revolucao Bolchevique, Guerra Fria, derrubes de ditadores na América Latina, Queda do Muro de Berlim, para mencionar apenas alguns). Os primeiros indícios da existencia de espioes remonta mesmo ao Antigo Egipto. Os métodos de obtencao de informacao por parte de instituicoes como a CIA ou o extinto KGB passa(va)m invariavelmente por infiltracao, camuflagem, uso de agentes (especiais, duplos, triplos, ...), permutas em troca de meios financeiros, redes de contactos,  prática de hackering, na epiderme da sociedade. 
Todas estas técnicas sao permitidas e geralmente aceites, porque executadas em prol de um bem comum: a defesa dos Estados.
Pergunto-me entao porque se ignoram os paralelismos com os métodos utilizados por WikiLeaks (ou outros whistleblowers) e se considera mesmo acusar esta organizacao de espionagem "ilícita". Nao o é toda? Já nos esquecemos do grande incidente diplomático aquando da descoberta de uma rede de espionagem russa nos EUA? Com uma leveza verdadeiramente extraordinária, o evento foi digamos que quase abafado e os agentes terao sido expatriados para a terra que os viu nascer como bufos de profissao. E nao será uma arte de espionagem quando, como em Berlim, o embaixador dos EUA usa a colaboracao servical do chefe de gabinete de um dos partidos que agora compoem o governo de coligacao alemao para se inteirar das prioridades internas governamentais ou mesmo sobre o andamento das negociacoes no seio da própria coligacao?
Assim, o alarido à volta da WikiLeaks torna-se facilmente pura hipocrisia. Se condenarmos os free lancers, teremos que aplicar os mesmos critérios aos que tornaram isso a sua profissao. Os Estados somos nós, os cidadaos, e nao as estruturas que o circundam. A verdadeira liberdade consiste em poder formar uma opiniao com todos os elementos disponíveis. E, agora que conhecemos a sensacao, será difícil, tal qual droga, prescindir da mesma.

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