30/11/10

Eu nunca guardei rebanhos



Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
   Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
   Porque eu sou do tamanho do que vejo
   E não, do tamanho da minha altura...
 

   Nas cidades a vida é mais pequena
   Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
   Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
   Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe 
   de todo o céu,
   Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos 
   nos podem dar,
   E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos"

Foto: minha.

Como se diz hipócrita em alemao II

Por vezes parece que antecipo acontecimentos. Acredito em coincidencias, mas também creio em causas e consequencias. O mundo revolta-se contra a forma ilícita com que Mr. Assange teve acesso a documentos altamente sensíveis e confidenciais, que nos mostram que o corpo diplomático disto a que chamamos países (eliminemos a ilusao de que este paradigma de accao se reduz aos norte-americanos) actua como se fossem servicos secretos. Nao se sabe quem, mas há figuras a ganhar muito dinheiro com todas estas transaccoes. Os que financiam, os que compram, os que vendem. Desconhece-se a rede deste vazamento, mas critica-se a forma pouco ortodoxa como funciona.
O mundo regozija-se com pormenores mesquinhos, os governantes sentem-se ultrajados e condenam, veementes, o facto de a organizacao WikiLeaks ter ilegitimamente adquirido as informacoes. Caso para pensar em atirar-lhes com um processo legal, afinal o que está por detrás da divulgacao de material altamente classificável sao actividades ilegais de bufos que vendem a sua e a alma dos outros.
Interessante coincidencia eu ontem ter conectado este a outro assunto: a compra recorrente por parte do Estado Alemao de CDs recheados de informacoes sobre clientes germanicos de bancos suícos. Hoje, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha veio reconhecer a legalidade no uso dos dados financeiros obtidos através dos mesmos CDs, esses comprados a delinquentes, antigos funcionários de instituicoes bancárias, por forma a legitimar condenacoes de evasores fiscais. O que me leva a concluir que o órgao mais importante no sistema constitucional alemao apoia directamente actividades de criminosos que, aproveitando-se da sua posicao privilegiada como (ex-)trabalhadores em empresas que auxiliam o contribuinte a fiscalmente se evadir das manápulas fiscais do Estado comilao, vendem material informático que compromete os grandes milionários da nacao.
Tudo é possível por uma boa causa.

Eliminando monóxidos...

Os nossos computadores nao sao movidos a moínhos de ventos (ainda nao!). Qualquer um que use electricidade está directamente a causar um impacto negativo sobre o meio ambiente, enquanto as fontes de energia nao forem sustentavelmente renováveis na íntegra. De acordo com um estudo do Dr. Alexander Wissner-Gross, activista do ambiente e físico na Universidade de Harvard, cada consulta de uma página na internet liberta 0,02 gramas de CO2, derivados precisamente dos gastos em electricidade associados à  utilizacao de computadores de enorme dimensao assim como servidores (que, caso nao se saiba, precisam de ser conservados a uma temperatura ambiente de 22 graus celsius). Imaginem que um blog normal chama a atencao 15.000 vezes por mes (dream on!), tal significaria que a libertacao de CO2 rondaria os 3,6 kg por ano.

"Performing two Google searches from a desktop computer can generate about the same amount of carbon dioxide as boiling a kettle for a cup of tea, according to new research.
While millions of people tap into Google without considering the environment, a typical search generates about 7g of CO2. Boiling a kettle generates about 15g."

Fui chamada à atencao sobre este facto - subjacente ao pensamento de quem tem mais do que dois neurónios, mas que pensa que está demasiado ocupado para se dedicar ao assunto - através de um amigo, que me conduziu à página da Kaufda.  Querendo tornar o nosso impacto pessoal o mais neutral possível, poderemos contribuir, através da iniciativa, para a plantacao de uma árvore. Nao há nada melhor para absorver o carbono do que este ser vivo. Ou entao o mar. O objectivo é plantar 1.000.000 árvores, por isso é juntar-se à iniciativa, por um mundo mais verde.

Espero, porém, que tenham cuidado com a escolha da espécie de árvores que plantam, para nao estragar um qualquer ecosistema local...

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29/11/10

Como se diz hipócrita em alemao?

Sai uma fresquinha para os germanófilos...

O bufo dos bufos

"Our primary interests are in Asia, the former Soviet bloc, Latin America, Sub-Saharan Africa and the Middle East, but we expect to be of assistance to peoples of all countries who wish to reveal unethical behavior in their governments and corporations."

Ainda a propósito disto, e dado que as circunstancias que me tem vindo a rodear nos últimos tempos me obrigaram a desenvolver um sentido de desconfianca perante tudo o que me parece gratuito (e que me perdoem os meus amigos budistas), aguardarei atentamente o dia em que o grande segredo será revelado (e espero bem que nao dure tanto tempo como o do JFK): o momento do leak do WikiLeak. Simplesmente porque nao acredito nas intencoes altruístas de um rapaz australiano armado em Justiceiro e "truth teller" com graves tendencias para a cusquice. E já há quem fale em apoios financeiros oriundos de cantos desconhecidos a esta tao nobre cruzada no valor de um milhao de euros (versao simpatizante) a 200 milhoes (versao governamental).

Esta situacao faz-me lembrar os toupeiras dos bancos no Liechtenstein e na Suíca, os quais descaradamente consolidaram o mercado de venda de CDs pirata. Tal e qual como a prostituicao, enquanto houver procura, haverá oferta.

28/11/10

USA e o resto do mundo.


Como os Estados Unidos dividem o mundo ou, como diria um nosso compatriota, ou és a meu favor, ou contra mim. 
Há relatos sobre a Frigideira Merkel, o irónico Mubarak, o hitleriano Ahmadinedschad, o paranóico Kazai, o epiléptico Jong-il, o nu-imperial Sarkozy, o alfa Putin ou o pandego Berlusconi. Mas porque será que, até ver, os líderes da China ainda nao terao aparecido nos media com nenhuma alcunha?
Deveras interessante a consulta directa no domain alternativo que a WikiLeaks entretanto colocou online por ter sido alvo de um ataque cibernautico na página principal (nem sequer imagino quem possa estar por detrás disto...).
A reaccao dos EUA à divulgacao de documentos altamente confidenciais nao se fez esperar.  

President Obama supports responsible, accountable, and open government at home and around the world, but this reckless and dangerous action runs counter to that goal. (...) By releasing stolen and classified documents, WikiLeaks has put at risk not only the cause of human rights but also the lives and work of these individuals.”

Eu acho irónico que a única instancia a quem é reconhecida a autoridade de decisao sobre o que é legítimo seja o governo norte-americano. Se discutirmos a legalidade da forma como certas declaracoes e informacoes sao obtidas nos círculos da diplomacia corrente, decerto que nao atingiremos consenso. É um facto que estes documentos foram ilegitimamente apropriados pela WikiLeaks (provavelmente anda por aqui a mao dos republicanos ou entao dos chineses...), mas é igualmente questionável como agentes diplomáticos dos países executam o seu trabalho, baseando-o em insider information e bufos, fontes conhecidas, mas deixadas no anonimato. A questao parece ser cada vez mais nao a de "se?", mas a de "quanto custa?". 

Obrigada à WikiLeaks (ou ao Jintao) por nos abrir a cortina directamente para os bastidores e nos demonstrar que a política ainda está mais conspurcada do que já parecia.



Foto: Spiegel.

25/11/10

O Triunfo dos Porcos

Com grande alarido, o Governo anuncia cortes salariais na funcao pública até 10% e nao admite excepcoes de qualquer natureza. As medidas foram declaradas como anti-constitucionais, mas curiosamente ninguém deu muito crédito a estas vozes, o que nao se entende, já que a constitucionalidade de legislacoes nao pode ser cinzenta e sim preta ou branca (e se há uma lacuna na Constituicao, há que reagir o quanto antes; também aqui nao houve mobilizacao alguma!). Nao se passou muito tempo sem os primeiros protestos das sub-classes do funcionalismo público, nomeadamente a dos magistrados, os tais aos quais se tem que atribuir o maior número possível de benesses ou nao vao eles, coitadinhos, seres de carne e osso, ceder à tentacao da corrupcao. Afinal o governo nao está intitulado de decidir sobre condicoes salariais desse grupo de interesses tao nobre e produtivo e sim a Assembleia da República. A génese da primeira excepcao à regra tao peremptoriamente definida.
Entretanto, surge a outra situacao excepcional. Por razoes atendíveis, o governo decide dispensar as empresas sob a orla do Estado de cortes salariais por estas estarem expostas à concorrencia directa com outras no mercado, já que tal medida poderia conduzir a um esvaziamento dos quadros. A decisao está totalmente dependente do parecer do Ministro das Financas. Sao as chamadas "adaptações justificadas" pela "natureza empresarial" de cada caso.
Eu pergunto: Desde quando é que esta ameaca de fuga de quadros existe? Desde sempre. E porque apenas restringidas a empresas? Será apenas uma questao de tempo até se tomar uma decisao análoga em relacao a deputados e assistencias, afinal a economia real tornar-se-á também para estes mais atractiva.

Nesta Animal's Farm, apenas as moscas mudam. 

24/11/10

Vou encher os pulmoes de um grande folego...

... e irei voltar assim que tenha finalmente entendido o processo de criacao monetária, incluindo fundos europeus de emergencia, assim como o que realmente está por detrás da "crise" na Irlanda e a reaccao dos senhores mercados às medidas anunciadas. E porque tudo está a acontecer tao repentina e concertadamente, quando o problema da dívida e do défice públicos nao é só de agora. E, já agora, em que medida real a Alemanha merece as responsabilidades que lhe estao a ser atribuídas quanto aos problemas sentidos nos países periféricos.


It might take a while...

A Jóia de Pandora

Momento epifanico do dia. Finalmente consegui entender o sucesso das pulseiras da marca dinamarquesa Pandora. Anos e anos tentei descortinar porque, em tempos de individualidade e originalidade, em que cada um se pode dar ao luxo de ser e ter aquilo que se coaduna consigo mesmo, há pessoas que insistem em adornar-se da mesmíssima forma, com as mesmíssimas pecas, produzidas em série para 31 países, ainda que em sequencias diversas mas com o mesmíssimo aspecto de todas as outras. Até móveis do Ikea ou mesmo vestuário da H&M conferem mais estilo do que os famigerados aros de pulso (quase tao idióticos como as anilhas que a convencao nos obriga a usar quando decidimos assinar um papel de efeito mais legal e menos emocional, ou nao será nem o papel nem a peca de joalheria - quanto maior, menor a intimidade de sentimentos, maior exibicionismo oco - a travar seja que decisao for, daí completamente supérfluos), com uma pecazinha da Vista Alegre ou da Stefanel consegue-se sempre disfarcar que fazemos parte da massificacao do baratuxo e atenuamos a consciencia pesada por estarmos, directamente, a apoiar modos produtivos exploradores em países terceiro-mundistas.
Ora, o fenómeno tem um sentido utilitário, principalmente em épocas de consumismo fascista como o Natal, o Dia dos Companheiros (ou Namorados, como se queira) ou os aniversários. Aposto que quem inventou a pulseira dos seguidistas foi alguém que nunca soube o que haveria de oferecer e sempre passou horas e horas a contemplar vitrines (sim, porque a maior parte está à espera que a resposta para algo original esteja fora e nao dentro de nós...) em busca DAQUELE presente que mais tenha a ver com a pessoa a quem ele se destina. Pim, fez-se luz, e porque nao criar uma jóia parecida à coleccao da Playmobil, com design e símbolos que cativem, mas que deem a sensacao de coleccao, do inatingível, do "nao se pode ter tudo de uma vez, assim se te portares bem, ofereco-te mais um!"? Mesmo que, após 20 ou 30 ocasioes, o objecto já esteja tao repleto de penduricalhos em forma de animais (ah, que fofura, e eu que gosto tanto de caes e borboletas!) ou coracoezinhos, pode sempre comprar-se o próximo e atafulhá-lo de panelas de pressao em miniatura ou paninhos da louca, que ficam tao giros em versao minúscula. Depois é como os cromos, encontram-se as amigas nos cafés e fazem trocas dos repetidos.
Um verdadeiro presente social, ora aí está.

Como na caixa de Pandora, resta-me a esperanca de que, um dia, tudo volte ao normal.

E o plural de micro-cosmos é...

Para alguns, a infancia foi marcada por desenhos animados. A minha também, claro. Porém, a minha recordacao infantil mais vívida é ironicamente de uma série alema sobre adolescentes cuja existencia se encontrava terrivelmente condicionada pelo Muro de Berlim. Lembro-me do cinzentao da cidade, da áurea de terror que lhes minava os movimentos, da insubserviencia que lhes alimentava a motivacao, da sensacao de que cada passo estava a ser objecto de observacao dos agentes infiltrados. Nunca mais consegui encontrar referencias a esta série, a memória tratou de me roubar o seu nome, nao consigo recordar-me de quaisquer nomenclaturas nem das personagens fictícias. É nestas ocasioes que a memória selectiva me irrita profundamente. Mas, lutando contra as perdas do tempo, retive uma expressao que me tem acompanhado ao longo deste meu percurso, ouvida pela primeira vez num dos episódios dessa série perdida nos anais da televisao: Terra de Ninguém. Niemandsland. A língua alema tem destes fascínios, há expressoes, muitas vezes em forma de uma só e singela palavra, para tudo, desde situacoes ou objectos a estares de alma. Ao contrário do que pensamos em Portugal, nao detemos o monopólio sobre a palavra Saudade (Sehnsucht). Quanto ao verdadeiro sentir, aí a coisa já é bem diferente. Nao conheci, em dez anos de percurso migratório com história bem sucedida de integracao, um alemao que conseguisse sentir a saudade como nós, profunda e dolorosamente.
E, desderrapando, a Terra de Ninguém simbolizava um estreito, um pedacinho de território subterraneo entre a Alemanha de Leste e a República Federal, o qual nao pertencia nem a uma nem a outra. Era aí que o grupo se refugiava e se entregava a uma liberdade virtual porque momentanea, confinada a esse espaco e ao tempo em que podiam esquecer-se em que realidade se moviam. Sempre quis conquistar um refúgio semelhante, no qual me pudesse perder em fantasias e imaginar o mundo tal como eu o queria, para outros e para mim. Um mundo que nao pertencia a ninguém.
Hoje, estou presa nesse mundo, físico, porque me sinto uma cidada de Ninguém. Estou entre fronteiras, mentais. Vivo em vários universos, micro-cosmos distintos de contextos, costumes, línguas, mentalidades, visoes, necessidades, raciocínios, paixoes, comodidades. É o país que carrego em mim e pelo qual sinto emocoes nao susceptíveis de qualquer fundamentacao racional, o que me está contido nos genes, que constitui a minha história primordial, o que me deixa ser eu, que me deixa triste e pensativa por nao corresponder à Terra de Ninguém da minha infancia, pelo qual presentemente nao consigo sentir orgulho, sentimentozinho negativo derivado de um ego colectivo, mas que nos liga a alguma coisa e nos faz sentir mais palpáveis e nos forma a consciencia de pertencer a um todo que é maior do que a nossa individualidade.
Há um outro país, igualmente dérmico, mas mais remoto no tempo, onde me re-descobri sobretudo pelo início solitário que me obrigou a partir a casca protectora e a expor-me se quisesse evitar o abismo dos anti-descobrimentos. Foram tempos iluminados pela chama da ingenuidade pueril que conservamos acesa dentro de nós enquanto navegadores no mar das experiencias, até um primeiro temporal a apagar.
Exploro agora um outro país, um que me acolheu, nao de bracos estendidos, ah nao, primeiro aprende-se a conhecer, só depois se toma a decisao se se gosta ou nao. O país que me deu oportunidades para crescer em pragmatismo e eficiencia (e uma semente só pode vingar se o solo for fértil, digo eu), para desenvolver a nocao do correcto e adequado, para reconhecer o valor da previsibilidade como garante de seguranca, afinal sabe mesmo muito bem saber com que se pode contar.
Movimento-me entre eles, ignorando as fronteiras que mesmo dentro de mim se foram soerguendo com o tempo.
Onde pertenco? A todos eles. E a lado nenhum. A uma Dazwischenland, terra intermédia, entre alguma coisa e coisa nenhuma.

22/11/10

Abrandemos!

"Quisemos a velocidade do som com os aviões e a velocidade da luz com a Internet, mas, agora que conquistámos a contemporaneidade absoluta, só conseguimos pensar numa coisa: abrandar."





Retirado daqui.

Preciso de uma lamparina!

Se Aladino aparecesse, um dos meus desejos de momento seria parar o tempo. Por um dia. Preciso de me organizar... O mundo nao deixa de girar por passarmos uns dias offline.

15/11/10

Há momentos assim...

Nunca gostei muito de domingos. Em circunstancias normais, constituem dias de antecipacao. Sou uma pessoa incapaz de gozar completamente o momento sem comecar a pensar no que me espera nos minutos, horas, dias seguintes. Jamais consegui deixar-me absorver por completo. Aguardo ansiosamente a minha primeira sessao de meditacao, que terá lugar já amanha.
No último domingo do meu passado remoto, maneira sobeja de me referir a ontem, deambulava pelas paredes que me confinam, perdida no tempo que tenho em demasia. Tinha passado a manha a navegar, o início da tarde acompanhada pelas notícias palpáveis do jornal, até estas se terem turvado por completo à minha frente. Sinal de mudanca. Ergo-me do sofá, caminho até à janela, perscruto o tempo, com esperancas de que mais uma tempestade com nome feminino tivesse deixado de grassar a zona. A chuva continuava a fustigar violentamente, qual gesto de vinganca, os obstáculos que ia encontrando no seu percurso incontrolável. Impaciente, rendo-me a uma tentacao. Poderia ligar os meus binóculos. Nao, nao me refiro àqueles que se usam para observar as aves raras da vizinhanca, mas uns outros, de forma rectangular, cuja dimensao parece ser inversamente proporcional à dimensao dos computadores, que me conectam directamente com o mundo real, imaginado pelos imperialismos modernos, aqueles que definem o que é correcto e socialmente aceitável, e que me moldam o espírito até à mórbida estupidez.Cedi, afinal o entretenimento é tao fácil. E pleno de surpresas.
Deixei-me estar ligada a um canal cujos conteúdos agradam normalmente a uma classe média alta, maioritariamente masculina, e que nao esconde a sua preferencia pela tecnicidade da realidade, ou nao fosse este um canal alemao. Desta vez mostram o desenvolvimento na construcao do Mundo Ferrari em Abu Dhabi, o maior parque interior de diversoes do mundo. Mundo Ferrari, pergunto-me, estarrecida? Em tempos de contencao, aquecimento global e endemonizacao do petróleo, veem estes celebrar-se a si mesmos desta forma despropositadamente pomposa? Sim, e assim acontece. Nao se tratava de um documentário ficcional e sim altamente infornativo, a tal da pura realidade. Tao nua e crua. Porque soubemos que a marca Ferrari nao sofre com a crise (é tao ou nada interessante que já há rumores de que a VW intenciona adquiri-la), que continua a haver investidores com fundos de porte gigantesco dispostos a investir em luxo, puro e duro, que há quem disponha do suficiente para gastar €45 por pessoa num parque de diversoes (para nao falar na viagem), que os chefes de departamento e gestores de projecto nao sao naturais do país onde o mamute é edificado e sao sim, na sua maioria, anglo-saxónicos ou escandinavos (isto quererá dizer que a concentracao de neurónios operativos respeitará algum paradigma geográfico?), ou seja, brancos (ah, a tal da raca), que a maior parte dos trabalhadores que limpam tres vezes por dia (e à custa de 3000 litros de água) o telhado do edifício ou enceram o chao do food court ou pregam os parafusos dos aparelhinhos que seguram o papel higiénico nas casas de banho de mármore apresentam uma tez escurinha, diria mesmo de sub-continente.
A estes seres reconhece um dos cara-pálidas, de seu nome Robert, um grande privilégio durante a preparacao da apresentacao do espaco. "Quem é que já nao sonhou com o momento de empurrar um Ferrari por uma rampa acima, hein? Nao é para qualquer um..." Tirando o facto de o bicho ter umas toneladas a mais em relacao a outros da mesma espécie, pensei eu para com os meus botoes: Realmente esse privilégio só poderá ser equiparado a limpar a sanita de ouro do presidente do Uzbequistao.

E foi assim que o meu domingo se tornou menos cinzento e mais dourado.

14/11/10

Primeiros pensamentos do dia. Melhor nao saber qual terá sido o sonho...

Tanto chorou que se desintegrou em lágrimas. A dor traz descobertas.

Critérios cibernéticos de avaliacao

Hoje preenchi uma candidatura virtual a um novo desafio. O local de trabalho seria na Alemanha, mas a organizacao é internacional. Foi-me simpático o facto de nao pedirem que adicionasse uma fotografia, como é usual quando alguém se candidata a uma posicao numa empresa alema. O povo germanico nao é muito receptivo quanto a surpresas e aprecia manter alguns preconceitos.
Tudo se processa com a maior das normalidades. Eis que chego ao segundo passo da plataforma e deparo-me pela primeira vez na minha vida - num contexto semelhante - com a seguinte questao: "Quanto mede?". Enquanto tento digeri-la, os meus olhos descem uns milímetros no ecra e leem a pergunta seguinte: "Quanto pesa?". A minha expressao de incredulidade nao me deixou por vários minutos. Estive mesmo prestes a fechar a janela e terminar o processo por ali. Entao a discriminacao nao se opera pela foto e sim pelo Body Mass Index? Engoli em seco e prossegui. Dei-me a conhecer, respondi a tudo o que me perguntaram, vencida pela necessidade e por uma incomensurável vontade de adquirir este emprego que me parece de sonho. O resto decorreu com a previsibilidade esperada, o estilo era estandardizado.
De qualquer forma, fiquei a ponderar sobre a relevancia deste tipo de informacao. Tudo o que se questiona serve para preencher determinados critérios pré-estabelecidos, seja esse a idade (acaba por ser igualmente discriminatório), a formacao académica ou as expectativas quanto ao salário. Mas peso e altura?? Lembrei-me de uma pessoa que conheco que se candidatou a um lugar efectivo na funcao pública alema (a qual, tal como em Portugal, dá direito a muitos privilégios e benesses, pelo menos enquanto o Estado Social for mantido) e foi recusada por ter peso a mais. A razao apresentada foi que essa pessoa, por pesar muito mais do que seria o devido (definido por alguém algures nao sei quando... se bem que a rapariga é tao gorda que mal consegue dar 10 passos sem ter que se sentar, queixando-se que vai sofrer de um colapso se nao comer qualquer coisinha nos segundos seguintes - e é uma que gosta de morangos com acucar, baaah!), apresentaria um risco de ausencias e faltas pois a sua condicao física poderia estar, de futuro, na causa de doencas, o que implicaria uma menor produtividade no trabalho. Brutal, nao? Será esta a razao? Já ouvi que este tipo de avaliacao é igualmente usado nos EUA (mais um país que, no ambito de candidaturas, prescinde de fotos, mas onde as pessoas sofrem de discriminacao pura e simplesmente pelo nome que tem, como analisaram os economistas autores de Freakonomics) e tem havido mesmo despedimentos com base em problemas relacionados com obesidade de empregados.
Chamem-lhes precavidos. Mas questiono-me a que ponto chegaremos se continuarmos a este ritmo. Já agora, um dia teremos que anexar, nao a foto (nao queremos cá acusacoes de racismo!), mas a ficha médica.

12/11/10

Finalmente o manual dedicado ao amor de que todos estavamos à espera ou o eufemismo mais bem conseguido desde a identificacao da pedofilia

Mensagem promocional da entidade comercial, a Amazon norte-americana:
Amazon believes it is censorship not to sell certain books simply because we or others believe their message is objectionable. Amazon does not support or promote hatred or criminal acts, however, we do support the right of every individual to make their own purchasing decisions.

Por este prisma, também poderiam vender "Mein Kampf".
Afinal acabaram por o retirar da venda ao público (o que nao quer dizer que o tenham eliminado das prateleiras). Só espero que o Carlinhos tenha ido a tempo de o encomendar.

E eu que pensava que os norte-americanos eram púdicos...

Nunca gostei de morangos com acucar!

Nem sequer de morangos com chantilly. Depois de ter lido esta, nao sei se nem ao natural. E muito menos no Inverno.

Assim que surgir a oportunidade, ficarei satisfeita se alguém me conseguir explicar porque fundos do erário europeu e, logo, público sao usados para comparticipar despesas de viagem de uma empresa privada. Apenas out of curiosity...

A cultura circulando pelas ruas da amargura

Enquanto uns deixam ruir símbolos da Antiguidade, considerados patrimónios da Humanidade, por falta de verbas e outros as utilizam para financiar promocoes oblíquas e no mínimo bizarras da cultura regional - e ainda as acham legítimas -, eu vou aplicando o meu entretanto reduzido ao mínimo fundo de maneio em iniciativas culturais no ambito do evento "Essen - Capital Europeia da Cultura 2010". Normalmente aposto no desconhecido, completamente às escuras, nao sigo instincto nenhum, deixo-me conduzir por uma vontade enorme de acreditar que irei passar um bom bocado, alheada a esta realidade tao próxima.
Hoje foi a vez de uma peca de teatro, L'effet de Serge, encenada por Philippe Quesne, frances devidamente credenciado, até com público do Georges Pompidou. Perante esta sinopse - "It somehow communicates the essence of theater itself. It demonstrates how the simplest object, the merest gesture, can produce wonder."-, foi-me difícil resistir. Dever-me-ia ter concentrado no significado profundo de "SOMEHOW", mas nao, ignorei-o redondamente.
Foram 75 minutos de martírio, sentimentos misturados, ansiedade extrema por ver o tempo a passar e eu sem poder exprimir uma emocao que nao o tédio. Aliás, os sentimentos no público eram de facto incrivelmente diversos: a pessoa do meu lado direito nao parava de soltar risadinhas, até nas cenas intermédias de silencio, menos insólitas e portanto, neste contexto, mais insignificantes, o que me estava deveras a enervar, enquanto que a pessoa do lado esquerdo deixava pender a cabeca, nao sei se rendida ao cansaco ou ao enfado. A história? Alguém, Sérgio, ser solitário e entregue à rotina que compoe os dias, co-habita um apartamento espartanico e desprovido de tudo o que seja sinal de comforto ou humanismo, mais parecido com um atelier de artista pouco motivado, com engenhocas capazes de produzir efeitos especiais. Sao estes, e apenas estes, o que seus amigos procuram quando o vao visitar uma vez por semana. Chegam, despem o casaco, poe-se confortáveis na medida do possível, descansam o corpo em cadeiras de madeira que Sérgio meticulosamente posiciona no espaco de exposicao. Um copo de vinho é servido. O espectáculo especial, invariavelmente acompanhado por génios musicais, dura pouco. Os convidados, após tecerem os mais variados elogios ao que acabaram de presenciar, apressam-se a terminar o vinho de forma a que o anfitriao, numa miscelanea de desconforto e heremitério, os acompanhe à porta. Uns sucedem-se aos outros, mas nunca simultaneamente. Até ao dia em que aparecem todos, um casal, sem vida, emocao ou interesse, uma rapariga que nao consegue esconder o seu interesse mais carnal pelo artista, um idoso que se move a bicicleta e parece absorver vinho como se disso dependesse a sua sobrevivencia, uma senhora de ar desconfiado que explora o espaco alheio, um rapaz acompanhado pelo seu cao (o único a ser ouvido da plateia). Chegam, sentam-se, conversam, observam, apreciam, comentam, comem fast-food e despedem-se. Nada mais. O show chega ao fim.
A minha expressao facial passou do aborrecimento ao ponto de interrogacao. A plateia aplaudiu de tal forma entusiasta que os actores foram obrigados a agradecer e regressar ao palco quatro vezes. QUATRO VEZES? Se tivesse sido uma peca de génio, aposto que os mesmos apreciadores literados ficariam no teatro o resto da noite, aplaudindo até as palmas das maos accionarem o alarme aos bombeiros.
Um único momento houve que me agradou. Sérgio prepara como efeito especial a uma das convidadas um laser, verde e muito 80s, projectado na parede suja e esvaziada do apartamento, cuja forma se vai modificando ao som da melodia de John Cage. A projeccao nao dura mais do que um minuto. No final, em sinal de amabilidade, cortesia ou complexo de superioridade (digo eu), tece os comentários devidos e muito elaborados, para mim transcendentes. Os espectadores riem-se a bandeiras despregadas. Eu sorrio. Porque fico a pensar se terao percebido a ironia da situacao e terao deixado as suas próprias apreciacoes tao intelectuais para aquelas horas pós-espectáculo no barzinho do teatro, onde tantas almas gémeas perdidas parecem reencontrar-se.


11/11/10

Absurdidades do Estado Alemao

Um sistema civilizado só consegue funcionar quando suportado por todos. A única diferenca entre o ser humano e o resto dos animais é o facto de o homem nao aceitar qualquer seleccao natural da espécie (claro que há uma seleccao humana, ou os continentes africano e asiático nao estariam na actual miséria exploratória em que se encontram). Ao contrário do cenário idealizado em The Day After, o qual nao estará assim tao longínquo das nossas condicoes futuras face a uma escassez até hoje incontornável de recursos, nós carregamos fortes, fracos, velhos, novos, produtivos ou incapacitados. Construímos infra-estruturas, frequentamos o sistema público de ensino, financiamos sistemas nacionais de saúde, apoiamos a conservacao de patrimónios históricos, deleitamo-nos com momentos de cultura em museus, teatros, pequenas iniciativas, sentimo-nos menos inseguros porque sabemos da existencia de forcas policiais (que alguns teimam em chamar forcas da ordem), enfim, gozamos de todo um conjunto de aspectos que nos envolvem e que nos permitem a (sobre)vivencia relativamente cómoda de hoje.
Por isso, nao me importo de pagar impostos. Porque reconheco a sua utilidade e valorizo a solidariedade. O Estado Alemao tributa-me e tributa-me bem, principalmente porque pertenco àquele escalao dos solteiros e nao-progenitores.
Mas haveria necessidade de pagar impostos sobre caes? Estes impostos aplicam uma discriminacao consoante o tamanho e o grau de perigosidade do canino mediante registos estatísticos de acidentes envolvendo cada raca. Um Chihuahua nao custa tanto ao dono como um Pastor Alemao ou um Dobermann. Caso para ponderar, se se gostar de caes de porte grandioso que nao se assemelhem a ratos de laboratório.
Nao entendo a lógica, ainda para mais quando hoje em dia, em resultado da paranóia com doencas e contágios de todo o tipo, os caes domésticos sao levados mais frequentemente ao veterinário do que o próprio dono se leva a si (ao seu), quando qualquer um (com excepcao dos moradores do Bairro de Celas em Coimbra, mas isto é em Portugal) já se consciencializou de que tem que levar um saquinho higiénico para remover os resquícios do seu companheiro canino, quando a maior parte dos utentes de praia (exceptuando os de Monte Clérigo no Alentejo... huumm... lá estou eu a regressar a terras lusas) respeita a higiene e a saúde públicas e nao escolhe o areal para se pavonear com os pequerruchos em plena estacao veraneante.
A mim isto soa-me a chupismo estatal.

10/11/10

Ora bolas!

A data 9 de Novembro nao irá aparecer no meu blog este ano. E com tanto que houve para comemorar. Poderíamos ter celebrado, em branco sobre fundo preto, o Dia Internacional de Carl Sagan («We are like butterflies who flutter for a day and think it's forever.» - a Vida), o perecimento (o inigualável Ausleben da língua alema) do General Charles de Gaulle («Paris outragé ! Paris brisé ! Paris martyrisé ! mais Paris libéré!» - a Morte) ou a verdadeira e física Queda do Muro de Berlim («Wir sind ein Volk!» - o Renascimento).
 
Poder-nos-íamos ter revoltado sobre a Reichspogromnacht nacional-socialista de 1938, mas nao, hoje confortamo-nos com a notícia de que actualmente mais de 12.000 judeus israelitas habitam e alimentam de vida a cidade onde tal evento terá sido organizado e empreendido na maior das proporcoes (o Apaziguamento).
Assim, enchemo-nos de esperancas.

08/11/10

Activismo de sofá - Balanco I

Assinei a peticao e sinto-me optimista. Criei uma causa no Facebook e tento agora recrutar os chamados "amigos" para suportar o objectivo: Pela Representação de Portugal na Cerimónia de Entrega do Prémio Nobel da Paz. Escrevi à Seccao Consular da Embaixada de Portugal em Oslo, ao nosso Presidente da República (salvo seja!) assim como ao nosso (salvo seja ao quadrado!) Primeiro-Ministro.
Espero que o apoio seja incansável. Já falta menos de um mes.

Mais ainda: Espero que o Sócrates tenha riscado aquela cláusula do contrato de compra e venda firmado com a nobre República Popular da China que diz respeito à área de Alienacao de Personalidade de um País autónomo e democrático. 

05/11/10

Market? Who the fu*k is Market?

"Mercados" tornou-se uma das actuais palavras que compoem a ordem do dia. Aliás, já nao consigo imaginar o século XXI sem esta preciosidade. Referimo-nos a esta entidade como se fosse algo de impalpável, anónimo, impessoal. A este propósito refiro um artigo de opiniao de Ricardo Coelho:

"O deus do liberalismo económico chama-se “mercados”. A palavra escreve-se no plural mas diz respeito a uma única entidade, perfeita, omnisciente e quase omnipotente. Ninguém criou os “mercados”, garantia Medina Carreira num debate televisivo- porque no início, era o mercado. Temos de agradar aos “mercados”, jurava Campos e Cunha noutro debate – porque este é um deus vingativo. Os “mercados” exigem a austeridade, garantem-nos Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga – porque a purificação espiritual se atinge dando tudo aos “mercados”. "

No meio de tanto negativismo, associado a tempos que de nada tem de áureos, e numa tentativa de encontrarmos um bode expiatório que, a nível pessoal, nos seja muito alheio, talvez nos esquecamos de que esses tais de "mercados" sao agentes silenciosamente contratados pela grande maioria. Nao falo dos que nao tem capacidades económicas para consumir além do que possuem (rendimento = consumo básico) ou dos que nada possuem e consomem o que recebem pela generosidade alheia, mas sim de todos os que vivem a crédito, tem contas de poupanca com juros atractivos, directa ou indirectamente especulam na bolsa, se deixam seduzir por investimentos que apresentam remuneracoes acima da média. Os tais dos "mercados" actuam sob pressao, quanto mais bem-sucedidos junto dos seus clientes (os mencionados acima), mais bem remunerados serao. Nao, os mercados nao sao altruístas, no fundo trata-se da multiplicacao da riqueza (criada? virtual? sob a forma de dívida?), própria e alheia.
Num exercício de consciencia e congruencia pessoal, todos os que usam e abusam da palavra "mercados" num contexto de crítica deveriam repensar em que parcela se subjugam eles mesmos aos proveitos que essa entidade acarreta.

Estamos em tempo de indulgencias

Wenn das Geld im Kasten klingt, die Seele aus dem Fegefeuer springt.

Na Idade Média, a Igreja Católica-Romana recorria às indulgencias para angariar fundos, induzindo o povo a pagar pelo direito à salvacao e à entrada no Paraíso.
Hoje temos os bancos centrais a emitir moeda (em forma de dívida) e injectar capitais na economia por forma a evitar (ou adiar) que ardamos todos nas chamas eternas do Inferno.  

Portugal...

... o país onde se produz para pagar o endividamento contraído para amortizar a dívida.

04/11/10

Problema resolvido!

Um dia que decida ligar-me pelos lacos do património, ah, perdao, matrimónio, apenas terei que contactar um destes e já terei local de boda. Um sonho a tornar-se realidade.
Vai ser interessante seguir as estratégias de marketing. "O meu orcamento é menor do que o teu, mas a minha sede é maior e tem vista para o mar!"

03/11/10

Asas do desejo

No meu processo de envelhecimento, só espero nao perder completamente a minha paixao quase libidinosa por cores vivas assim como a nocao de que os décibeis da minha voz estarao porventura a perturbar os visitantes do museu.

A exposicao foi, apesar de tudo, interessantíssima. Incrível como uma instituicao de província conseguiu convencer o grandioso Musée d'Orsay a emprestar uma obra que já nao via a luz de outros sóis há 25 anos.

"Desnatural" é...

... quando os estabelecimentos comerciais tem que cheirar a casa-de-banho para ser convidativos.

E ainda nao sei quem é que se lembrou desta...

01/11/10

Pobretes, mas alegretes! Será?

A minha natural condescendencia em relacao a Portugal deu origem a um fatalismo e um negativismo tao atrozes como inevitáveis. Um post encontrado Entre as brumas da memória sobre o périplo antecipado a um dos centros comerciais de identidade estrangeira na capital avivou-me as recordacoes - e foram muitas - da minha última estada no berco. Estávamos celebrando os 867 anos volvidos desde o Tratado de Zamora quando eu, sincera e literalmente a leste dos hábitos conterraneos em dias de feriado, decido ir ao cinema.  Tristemente, mais uma vez seguimos o exemplo de quem nao tem exemplos a dar-nos e decidimos integrar as salas de cinema, que nao sao mais do que prolongamentos de um bairrozinho sujo e decadente chamado Hollywood, em grandes centros de consumo compulsivo. Primeiro desafio: Encontrar um lugar no parque de estacionamento (como se já nao bastasse ter sido "obrigada" a usar o automóvel, já que a linha de comboios que liga a minha cidadezinha de província à cidade grande, capital de distrito, está paralizada há uns dois anos, dizem as boas-línguas...) . Logo aí antevi o segundo desafio: Poder deslocar-me livremente e no mínimo tempo possível até ao meu destino final, a bilheteira. Fiquei estupefacta, nao, mesmo atónita e quase afónica ao aperceber-me da quantidade de pessoas enfiadas no recinto, a passar o tempo, a passar do tempo, a comprar, a vender (pensava que nao se trabalhava nos feriados... pura ingenuidade...), a esperar, ... Em vésperas de aprovacao de um orcamento recheado de prendas pós-Natal, as medidas de austeridade muito bem embrulhadas e esmiucadas (ai sim?). Pior, numa altura em que o desemprego dispara, as situacoes de trabalho precário aumentam, a competitividade nacional diminui, os níveis de dívida pública e privada atingem máximos históricos (ainda que o crédito mal-parado nao seja tao elevado quanto esperado...). Uma total alienacao massificada. Um torpor absurdo. Ou será mesmo o expoente máximo de um capitalismo predador que tudo deturpa, nao menos o nosso sistema de valores?
Esta parece-me ser a única explicacao plausível, aliada talvez a um complexo de inferioridade, associado a uma escassez provocada de possibilidades, ainda por trabalhar desde os tempos da ditadura pela qual agora tantos suspiram (e eu por eles). Só assim se justifica o nosso padrao actual de consumo, desvairado, megalómano, demasiado acima nao só das nossas possibilidades como do que é realmente necessário. Um triunfo do supérfluo, uma verdadeira vitória do capitalismo na sua forma mais pérfida.

"... by the 20th century, a concerted effort by the business community set out to distort these notions and mold a new army of impulsive, perpetually dissatisfied, status conscious consumers. (...) the human being is groomed to perpetually want "more" material wealth, for the "more" seems to go to infinity. The result is a culture which does not have a concept of balance, or a sense of what is actually important, or "enough". (...) a classic tactic of advertising is to exploit this neurosis by using the media to depict a person with something that you do not have, making you feel as though you need to have it in order to be "equal"."

Parece que estas passagens parafraseadas directamente do manual para activistas de um movimento que ando a seguir foram inspiradas em Portugal... Mas nao.

Juntem a isto a mania das estacoes (sim, existe uma mid-season!) e das coleccoes, dos saldos e das liquidacoes totais, é ver as peregrinacoes. Nem Fátima (local que, pela primeira vez, tive o prazer incomensurável de visitar este ano) chama tantos crentes!

Como se nao bastasse, o filme a que assisti só nao foi uma desilusao redonda pois nao ia com grandes expectativas. "Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecao?", diria o meu avo. O tao anunciado come-back da Julia Roberts, baseado num pedaco de literatura cor-de-rosa especialmente dedicado ao sexo feminino em crise psicológica? Pois, isso mesmo.