"Tenho a impressão de que certas pessoas, se soubessem exactamente o que são e o que valem na verdade, endoideciam. De que, se no intervalo da embófia e da importância pudessem descer ao fundo do poço e ver a pobreza franciscana que lá vai, pediam a Deus que as metesse pela terra dentro."*
O meu refúgio inicia-se quando deixo pousar a máscara que me obscura a natureza própria e intrínseca, e faco-o cautelosamente de forma a poder utilizá-la no dia vindouro. Movimento-me numa verdadeira feira de vaidades, na qual cada um encobre primeiras impressoes com monólogos infindáveis sobre alcances e sucessos, em que só se é levado verdadeiramente a sério pelo que se traz no cabaz de conhecimentos pessoais e de títulos coleccionados. Conversas entre indivíduos representam tentáculos corporativos, como se a cultura pessoal de cada um fosse um prolongamento de uma entidade que se julga anónima, talvez por isso tao manipulativa. Lugares comuns preenchem horas. Por vezes, em momentos de menor racionalidade, desvio os olhos do palco e busco o aparelho de clonagem de onde todos estes seres parecem ter sido simultaneamente expelidos. Todos eles se orientam pelo mesmíssimo esquema, equiparado ao que hoje chamamos progresso (logo, carreira) individual, definido pela máxima de um "sempre mais", nao necessariamente um "sempre melhor". A motivacao-mor para o alcance de um objectivo nao é o processo de aprendizagem incluído e sim o bónus financeiro obtido, para nao falar da referencia valiosa num pedaco virtual de papel a que se chama curriculum vitae.
Busco, de momento, um way out...
* Miguel Torga